São Paulo, quarta-feira, 10 de dezembro de 1997
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A CDHU e a casa própria

SERGIO PORTO

O Ministério Público e o Tribunal de Contas do Estado estão investigando denúncias de superfaturamento em transações com terrenos, na construção de conjuntos habitacionais contratados pela estatal paulista CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), na modalidade de licitação denominada Chamamento Empresarial.
Tais denúncias devem ser apuradas com o máximo rigor. Primeiro, porque se trata do uso de recursos públicos. Segundo, porque licitações públicas sempre resultarão em benefício para a sociedade, se feitas com transparência máxima dentro da economia de mercado.
O pior que pode haver para a construção civil é a eliminação da concorrência por procedimentos irregulares, que beneficiam indevidamente um número reduzido de empresas em detrimento do interesse público.
No entanto, algumas considerações se fazem necessárias, para não cairmos em generalizações perigosas.
Construir conjuntos habitacionais para a população de baixa renda tem sido uma das atividades do governo, em parceria com a iniciativa privada, para minorar a gravidade do déficit habitacional no país -de 5,8 milhões de moradias, o que atinge igual número de famílias.
Uma das maiores dificuldades para a execução desses programas é a obtenção de terrenos. No modelo clássico, o governo precisa primeiro encontrar um terreno adequado à construção de um conjunto habitacional e desapropriá-lo.
Essa prática, muitas vezes, acaba se revelando extremamente morosa. São anos até encontrar o terreno adequado, desapropriá-lo, enfrentar eventuais obstáculos na Justiça, pagar pela desapropriação, urbanizar o lote e deixá-lo pronto para a fase de edificação.
Isso quando o governo não é vítima da abominável "indústria de indenizações", cuja atuação muitas vezes acaba inviabilizando a utilização social da área desapropriada.
Diante disso, alguns órgãos públicos, como a CDHU, têm adotado uma alternativa criativa, denominada Chamamento Empresarial ou Empreitada Integral. Por essa modalidade, o governo comunica a intenção de construir um conjunto habitacional em determinada localidade.
Para se habilitar, a construtora precisa comprovar a disponibilidade de um terreno e se responsabilizar para que o mesmo esteja em condições físicas e jurídicas para o início do empreendimento.
Dessa forma, ficam por conta e risco da construtora a aquisição do terreno e sua legalização. Se for declarada vencedora da licitação, a construtora tem um prazo para investir o que for necessário a fim de concluir o conjunto habitacional e entregá-lo ao órgão público.
É justo que, tendo gastos para adquirir e deixar o terreno desembaraçado, a construtora compre o terreno por um preço e o repasse à administração pública por outro. Esse preço, normalmente, é maior que o custo.
Todo esse processo representa um enorme ganho de tempo, fundamental para diminuir o déficit habitacional. No Estado de São Paulo, onde esse déficit é estimado em 1 milhão de moradias, a CDHU está conseguindo viabilizar 40 mil habitações populares por meio dessa modalidade.
O Chamamento Empresarial e as demais modalidades de licitação da CDHU foram responsáveis, ao longo de 1997, pela edificação de 92 mil unidades habitacionais, gerando mais de 74 mil empregos diretos e indiretos.
Assim, deve-se tomar cuidado. É preciso distinguir entre repasse de custos e superfaturamento. Depois, investigar se, de fato, esse último ocorreu.
Também não se pode dizer que um apartamento construído pela CDHU nessa modalidade é mais caro do que em outras se não forem computados custos de terrenos situados na mesma área, acrescidos dos gastos necessários para sua utilização.
A Empreitada Integral tem se mostrado útil não somente em grandes e médias cidades, nas quais é complexo negociar e legalizar extensos terrenos. Ela também resolveu impasses em cidades do interior, onde a construção de conjuntos habitacionais dependia de doações por parte das prefeituras, que muitas vezes acabavam não se viabilizando.
Por essas razões, a Empreitada Integral merece ser mantida; aperfeiçoada, se necessário. O que não pode ocorrer é, a pretexto de investigar supostas irregularidades, paralisar todo o esforço produtivo de dezenas de construtoras, punindo injustamente as empresas que despenderam vultosos recursos para honrar a parceria com o governo, provocando forte onda de demissões e considerável atraso na realização do sonho da casa própria de dezenas de milhares de paulistas.

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