São Paulo, segunda-feira, 15 de dezembro de 1997
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Altman faz Van Gogh com face humana

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

Há um engano inicial em "Van Gogh - Vida e Obra de um Gênio", filme do norte-americano Robert Altman inexplicavelmente inédito nos cinemas brasileiros.
Ao contrário do que o título oferece, não se trata de uma biografia -no sentido exato da palavra- do pintor holandês, conhecido tanto por sua arte quanto por sua vida de tons trágicos: o talento que se liga à loucura e o suicídio.
Altman procura não um Van Gogh, mas dois: o artista Vincent e seu irmão Theo, marchand em Paris e uma espécie de tutor da genialidade do primeiro.
Seu filme segue suas trajetórias, expondo um imenso jogo de contrários: evidencia o que há de normalidade em Vincent e loucura em Theo. Altman troca os lados e confunde o espectador na mesma proporção em que seus personagens têm, de certa maneira, um comportamento confuso.
Essa desordenação é o princípio e o fim em Altman e também a chance que ele nos concede de assistir a "uma outra história".
Essa fórmula -ou intenção- não é exatamente uma novidade em Altman. Ele já havia mostrado um mundo da guerra ("O Exército Inútil") ou do próprio cinema ("O Jogador") que apenas desconfiávamos que existia.
Sua visão de Van Gogh segue a mesma trilha, uma questão, para ele, básica: a diferença entre fato e versão que é entendida por verdade.
Talvez por estar engajado em desvendar isso que para ele é um mistério, Altman evita as tentações que sempre surgem quando o cinema tenta biografar um pintor.
Não há em seu filme um preciosismo deslocado, em que a câmera tenta se igualar a um quadro. Ou ainda a vontade de discutir o que é arte e o que transforma um homem em um artista.
E é esse, afinal, seu grande mérito. Altman nos oferece homens no lugar de artistas romantizados. O filme é belo, porém inevitavelmente seco, à maneira que o ator Tim Roth escolhe para interpretar Van Gogh.
Sua ação é explicitamente violenta. Os gestos lembram um punk de Londres mais do que um holandês perdido entre a religiosidade e as tintas. Mas isso, diferentemente do que se imagina em princípio, não é um anacronismo. É o universo de Altman.
Um território marcado por uma forte dose de ironia, coragem e perversidade. Características que se materializam nas primeiras cenas de "Van Gogh".
O filme tem início com imagens de um leilão em Londres. Sabemos que uma obra de Vincent está sendo vendida e os horrores que seu autor enfrentou para que esse momento chegasse.
Mas ele já não está ali. Agora a história e o mundo já não são os mesmos. Altman nem por um momento acredita ser essa uma vitória, ainda que poética.
Sabe como ninguém que Van Gogh, ainda que todos os românticos procurem negar o fato, é o exemplo de um fracasso. E é isso o que o faz um pouco mais humano.

Filme: Van Gogh - Vida e Obra de um Gênio
Produção: EUA, 1990, 137 min.
Direção: Robert Altman
Com: Tim Roth, Paul Rhys, Johanna Ter Steege
Lançamento: Mundial (011/536-0677)

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