São Paulo, quarta-feira, 17 de dezembro de 1997
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Ritzel é do PMDB e usa cuecas Zorba

ELIO GASPARI

Chama-se Edmundo Ritzel a última e refinada personificação da má conduta. É o resultado de um cruzamento do atacante vascaíno Edmundo com o deputado federal Paulo Ritzel (PMDB-RS). Ambos encarnam um modo violento de convivência associado a um sentido infantil de impunidade. Se fizessem o que fazem no cotidiano dos bairros pobres, já estariam na cadeia. Como são favorecidos pelas circunstâncias, num caso pela fama e no outro por herança, humilham quem lhes acompanha a trajetória.
Começando pelo deputado: ia em seu carro com faróis defeituosos e a placa traseira obstruída, quando três soldados da Brigada Militar o pararam.
Mandou-lhes 69 palavrões em 14 minutos, quase todos indicativos de que seu temperamento, quando exasperado, recolhe-se a um mundo de construções anais. Noves fora os insultos, a coisa mais inteligente que Ritzel conseguiu dizer aos soldados foi que lhes faltava autoridade para interceptar um deputado federal numa rodovia estadual. Trata-se da maior bobagem já dita numa rodovia, seja qual for sua jurisdição. Dias depois, explicando-se, disse que "virei bicho e reagi como cidadão". Nem virou bicho, pois a covardia do "carteiraço" é exclusiva do gênero humano, nem sabe o que vem a ser um cidadão. Explicou-se de novo e informou que "exagerei", como se o seu comportamento estivesse certo na origem.
Felizmente, os soldados estão processando Ritzel, e, se a Câmara dos Deputados quiser se dissociar do seu comportamento, o episódio deverá ser levado à Corregedoria.
Ritzel é um pobre coitado, filhinho de papai. Foi catapultado do seu consultório de dentista para a Prefeitura de Novo Hamburgo e, de lá, para a Câmara, pelo prestígio e pela morte do pai, um soldado da Brigada Militar. Pobre homem, humilhou três policiais e esqueceu-se de que poderia estar humilhando o próprio pai.
Já o jogador Edmundo é um veterano. Em 1995, saindo de uma boate, dirigindo em alta velocidade, matou três pessoas, duas das quais formavam um casal de namorados. Foi protegido por um álibi covarde, segundo o qual não estava ao volante, mas a patranha dissolveu-se graças à existência de testemunhas. Isso fora do campo.
No campo, onde seu apelido é Animal, é um desclassificado. Há diversos graus de violência no futebol. O atacante Fernando, do Grêmio, quebrou a perna do zagueiro Pinga, do Inter, no jogo jogado, sem malvadeza. Pelé quebrou a perna de um zagueiro alemão num lance no qual se misturaram vingança, maldade e astúcia. Fingia que jogava o jogo, mas queria ferir. No patamar seguinte está a simples vontade, sem jogo. É o caso de Almir, do Santos, quando machucou o atacante Amarildo, do Milan, em 1962. (Vale lembrar que o Maracanã aplaudiu Almir, assim como não é bom esquecer que sua vida terminou num bar da avenida Atlântica, à bala, depois de se meter do lado certo numa briga boba.)
Edmundo está na classe dos animais. Agride sem bola e, de certa forma, faz disso a sua marca registrada.
Nessa hora, surgem duas reações. Uma sacrossanta, a do técnico Zagallo, que não o quer na seleção. Outra, a dos seus patrocinadores. Primeiro as cuecas Zorba. Não só o patrocina, como faz propaganda em cima de sua animalidade. ("O Animal só fica manso quando usa cueca Zorba.") Depois, a marca de artigos esportivos Kappa, que patrocina o Animal como parte do time do Vasco.
São empresas dirigidas por pessoas que não gostariam de ter seus filhos comportando-se como Edmundo nem gostariam de vê-los em companhia de um amigo denominado Animal, mas associam a qualidade de seus produtos à imagem de um desqualificado. No caso da Kappa, pode-se descontar que patrocina um lote de jogadores no qual inclui-se Edmundo. Não é uma escolha nominal. No caso da Zorba, além de nominal, o patrocínio relaciona-se explicitamente com o Animal.
Ainda não se inventou um mundo no qual não existam comportamentos como o de Edmundo Ritzel, mas o mundo já inventado dispõe de mecanismos para colocá-los em seu lugar.
No caso do deputado, mesmo que a Câmara não resolva corrigi-lo, seu futuro está nas mãos dos cidadãos de Novo Hamburgo. Na próxima eleição eles decidirão se querem associar o nome desse município de trabalhadores, muitos deles desempregados pela crise do calçado, à extravagância dos privilégios que o deputado julga ter.
No caso de Edmundo, o Vasco e a Confederação Brasileira de Futebol podem resolver até que ponto querem se associar a um Animal bom de bola. Restam as cuecas Zorba e os artigos esportivos Kappa. Esses associam suas marcas à animalidade porque acham que a choldra gosta de malfeitor.

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