São Paulo, quarta-feira, 17 de dezembro de 1997
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Velha guarda reconhece crise da esquerda

CARLOS EDUARDO ALVES
DA REPORTAGEM LOCAL

A revolução não é mais iminente, nem a aposta da inevitabilidade dela é cega. Mas alguns dos mais veteranos militantes da esquerda brasileira continuam acreditando que o capitalismo não deu respostas suficientes e que a história não acabou, mesmo que para isso seja preciso esquecer velhos dogmas.
A reunião de antigos militantes ocorreu anteontem à noite em São Paulo, no lançamento do livro "Rememória", uma coletânea de entrevistas concedidas à revista "Teoria & Debate", do PT.
Apolônio de Carvalho, 86, é detentor talvez da mais rica biografia entre os militantes vivos da esquerda brasileira. Combatente na guerra civil espanhola, membro da resistência francesa e exilado durante o regime militar, Carvalho não nega o "descenso das lutas populares", mas insiste que a maioria "deserdada" pelo capitalismo abre espaço para a manutenção da utopia.
Nem que para isso seja necessário uma boa revisão. A sua receita para o Brasil pode corar alguns dos jovens ortodoxos do PT, partido ao qual Carvalho é filiado.
"O PT erra ao recusar alianças políticas. O candidato para 98 tem que ser escolhido em conjunto com outras forças de esquerda e centro-esquerda", disse.
A mesa idealizada pelo militante para se chegar ao consenso reserva assentos para Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Ciro Gomes (PPS), Itamar Franco (PMDB) e Sepúlveda Pertence (sem partido). "Só a união pode derrotar o neoliberalismo", acha.
Também filiado ao PT, o historiador Jacob Gorender, 74, não nega que "sente profundamente" as dificuldades atuais da esquerda, mas recusa o carimbo da derrota.
"O capitalismo sempre gerará uma oposição de esquerda". A aposta na vitória do socialismo, porém, não é mais fechada.
"Algo virá depois do capitalismo, mas como rejeito a concepção fatalista não acho obrigatório que o caminho seja à esquerda", diz.
Gorender acrescenta que a visão tornou-se realista com o tempo. "Nos anos 50, acreditei que a vitória socialista estava à vista."
Qualquer
A busca de trilhas diferentes para se chegar ao objetivo é recomendada por Maria Augusta Capistrano, 79, companheira de David Capistrano, dirigente comunista morto durante o regime militar (1964-1985).
"Estão surgindo organizações de setores da sociedade e é esse avanço que pode superar a atual situação do país", afirma.
A atriz Lélia Abramo, 86, não indica o rumo para a virada da esquerda. Constata que seu espectro político errou nas avaliações. "Ninguém esperava um recuo tão brutal para a lei da caverna." Lamenta a constatação, mas não abre mão da utopia: "Devemos ser menos ingênuos e sonhadores, mas não se pode eliminar o sonho".
A necessidade de mudanças na visão da esquerda é compartilhada por Clara Scharf, 72, companheira de Carlos Marighella, outro líder comunista que morreu durante o regime militar.
"Preocupo-me muito com a situação da esquerda, mas é possível mudar muitas coisas desde que a luta acompanhe as mudanças na humanidade", diz.
Um dado curioso do livro é que muitas das entrevistas foram feitas pelo economista Paulo de Tarso Venceslau, que caiu em desgraça no PT desde que entrou em atrito com Lula.

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