São Paulo, quarta-feira, 17 de dezembro de 1997 |
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Este é o tempo dos jovens
MARCELO COELHO
Assisti à morte dos últimos velhos brasileiros: Austregésilo de Ataíde, Eugênio Gudin e Octávio Gouvêa de Bulhões. Os atuais não contam. Barbosa Lima Sobrinho, completando cem anos, não é tão velho assim: o nacionalismo funciona como uma espécie de anabolizante. No lado oposto, Roberto Campos, com 80 e poucos, continua maroto e sacudido. Muitas celebridades brasileiras começaram a envelhecer no auge do que se chamava "poder jovem". Alceu Amoroso Lima, Vinícius de Moraes, Carlos Drummond, dom Hélder, o próprio Nelson Rodrigues, entraram "na onda" da camisa estampada, do cabelo comprido, da costeleta, do pensamento "avançado", daquilo que nos anos 70 era "modernidade". Jorge Amado é outro exemplo: de short e boné, renunciou à vetustez. Enquanto isso, de uns tempos para cá, alguns jovens procuram aparentar mais idade do que têm. Luiz Eduardo Magalhães usa colarinhos e gravatas que o viabilizam como vulto respeitável da República. Vi outro dia uma foto de Aldo Rebelo, líder estudantil no final dos anos 70, hoje deputado federal: o bigode aparado, os vincos na testa, transportam-no aos anos 50 -quando Vieira de Mello, pelo PSD, brigava com Lacerda na tribuna. Tempo de bigodes, tempo de Petrobrás. Parte da antipatia com relação a Gustavo Franco talvez se deva ao fato de ele parecer garoto demais para um presidente do Banco Central; sua frase sobre o "saco de maldades" acentuou a imagem de menino travesso, onde a mecha do cabelo e o sorriso são sinais de rebeldia; coisa inconsistente com o "yuppismo amadurecido", digamos, do cabelo puxado para trás, e já grisalho, de um Kandir. E parte da simpatia provocada por Ruth Cardoso está no fato de que se comporta como uma "senhora" -tanto que, apesar de contra o Manual de Redação da Folha, a tendência é chamá-la de "dona Ruth". De óculos, com sotaque uspiano e deselegância idem, é mais "intelectual", mais pausada e séria, que o marido, cuja autoconfiança perene mantém, contra a "liturgia do cargo" sarneyzista, o tipo "jovenzão". O modelo "jovem", em suma, foi assumido pelos sessentões, numa conjuntura em que há falta de "velhos"; o modelo "sessentão" vai sendo assumido pelos jovens de trinta. Tudo seria simétrico, afinal. Mas percebo duas alterações no programa. Em primeiro lugar, cito a seleção brasileira. É a seleção dos carecas. Por que raspar o cabelo? Tudo começou com Ronaldinho -é o jogador mais jovem. O que se busca com essa carequice? Passo por cima do fato de ter sido compulsória em muitos casos: o que se busca é a juventude de Ronaldinho. Os jogadores seguem um look Febem -tornam-se todos adolescentes marginais. Mimetizam a disciplina a que foram submetidos, os treinamentos etc., como se fosse algo exagerado para a idade deles; mas transformam-na em signo de vitória. Aceitam a violência como preço do sucesso. Antes, os cabelos compridos eram sinal de revolta contra o sistema. Adota-se um procedimento mais irônico: o de ser mais sistemático do que o próprio sistema, raspando a cabeça. Os skinheads fazem isso, transformando o antifascismo em fascismo e vice-versa. A seleção brasileira não é skinhead nem fascista, mas é como se, dado o fascismo latente das torcidas de futebol, dada a violência das expectativas populares com relação à Copa, dado o tom esganiçado e militarista de Zagallo, dadas as saudades da era Médici, dada a falta de juventude do país, Ronaldinho e companhia se encarregassem de uma juvenilidade ao mesmo tempo delinquente e disciplinada, "mutatis mutandis", a mesma de Gustavo Franco. Passo ao segundo caso, mais rumoroso: a gravidez da Xuxa. Não é uma gravidez maternal, mítica, plena, edificante. É uma gravidez infantil. Assim como as pessoas de sessenta ou setenta anos são "jovens", esta mulher de trinta é uma criança. Não é que as crianças amadureçam sexualmente cedo demais, quando usam botinhas da Xuxa: é a Xuxa que se infantilizou. Se há algum escândalo na gravidez da Xuxa, não é porque estamos diante de uma "produção independente", de uma mãe solteira. O escândalo está no fato de que Xuxa é uma criança crescida. É a menina de nove anos comprida demais: é o "varapau" da classe de 6ª série que engravida. Leio na "Veja" que Xuxa presenteou seu namorado, Luciano Szafir, com bonecos do demônio da Tasmânia. É um personagem de desenho animado. Não há casamento entre Luciano e Xuxa porque ambos parecem ser, mentalmente, menores de idade. Resumindo, a juventude se infantiliza na mesma medida em que pessoas maduras fazem questão de ser jovens e a velhice desaparece de nosso horizonte simbólico. Não acho nem bom nem ruim: acho ridículo, apenas, que todos se façam mais bobos do que são. É o caso de Xuxa, com seus beicinhos e "xeu xotaque"; dos jogadores da seleção, com seu corte de cabelo; de Gustavo Franco, com seu ar de "enfant terrible"; de Kandir e Luiz Eduardo Magalhães, fazendo o papel de "adultos" na comédia; de Jorge Amado, Fernando Henrique e João Ubaldo Ribeiro posando de "jovens"; e de todos nós, protestando eterna inocência e pudicícia, diante daquilo que conhecemos muito bem. Texto Anterior: Incentivos fiscais, a "sangria" da cultura no Brasil Próximo Texto: Washington enfrenta o demônio Índice |
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