São Paulo, quarta-feira, 17 de dezembro de 1997
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A importância estratégica do Mercosul

FEDERICO MAYOR

A tendência à globalização é uma das realidades incontestáveis do mundo contemporâneo. As sociedades podem opor-lhe um esforço de autarquia fechada e excludente ou favorecê-la irrefletidamente, subordinando-se aos ditames do mundo; mas não podem omitir-se. Quando tentaram, os resultados foram políticas públicas equivocadas e sem capacidade de ação sobre as forças que influem na vida dos países e, consequentemente, na deterioração das faculdades soberanas dos Estados nacionais ou do bem-estar dos povos.
A liberalização comercial deu um passo adicional e decisivo, com a fragmentação dos processos de produção e sua partilha nos diversos âmbitos geográficos. Porém a globalização está longe de ser apenas um fenômeno econômico. Talvez suas maiores consequências se operem na cultura e na política.
Uma profunda transformação do sentido de tempo e espaço contribui para o surgimento de uma nova mentalidade social. Mesmo nas aldeias mais pobres, homens e mulheres integram os sucessos planetários, filtrados segundo suas culturas nacionais, na geração de expectativas e no ordenamento de prioridades cotidianas. Assim, acrescentam aos valores das tradições locais as expectativas, verdadeiras ou falsas, que chegam do resto do mundo.
A própria política globalizou-se. Não só porque as considerações internacionais são cada vez mais importantes para tomar decisões nacionais; também porque boa parte da resolução desses problemas passa pela maneira como cada país enfrenta a realidade internacional em rápida mutação.
Usualmente, tende-se a ver apenas o aspecto negativo e intromissor do fator externo nas sociedades. Seria preciso recordar, no entanto, que boa parte do avanço democrático que a América Latina experimenta não existiria sem ele.
Além disso, num momento de aguda crise de consciência coletiva, somente os chamados problemas globais parecem ser capazes de mobilizar a opinião pública. O combate à deterioração do meio ambiente, à guerra, às drogas ou à Aids são os problemas que mais mobilizam as sociedades nos últimos anos.
Como afirma o Consenso de Brasília, "sem ignorar a globalização, porém sem se submeter a ela, nossos povos têm diante de si a tarefa de governá-la" -isto é, fazer com que os aspectos positivos do processo sejam postos a serviço do bem-estar e do desenvolvimento. Só o governo da globalização construirá a globalidade -a agenda compartilhada de uma nova política global.
Uma das respostas mais eficazes para propiciar esse governo da globalização são os blocos regionais. Podendo iniciar-se por acordos de natureza comercial ou econômica, devem constituir-se como pactos políticos e civilizatórios, para afirmar, ante o risco da homogeneização do mundo unipolar, a pluralidade criativa e a responsabilidade compartilhada sobre o futuro da espécie.
Daí que a consolidação do Mercosul, juntamente com outras iniciativas na América Latina, tenha no contexto global uma importância estratégica decisiva. O sucesso do Mercosul é o êxito da unidade latino-americana, prevista há mais de um século por Simón Bolívar.
No último dia 14 de dezembro, em Montevidéu, sede administrativa do Mercosul, foi assinado um convênio entre a Unesco e o bloco, que abrange os domínios de competência da organização -educação, cultura, ciências sociais e humanas, ciências exatas e naturais e tecnologia, em particular tecnologia da comunicação-, com a presença dos presidentes das nações que atualmente integram o Mercosul.
Com esse acordo, a Unesco cumpre uma de suas atribuições iniciais: propiciar a mais ampla difusão da educação e da cultura em prol da justiça, da paz e da liberdade.

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