São Paulo, sábado, 20 de dezembro de 1997
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Judiciário: frente e perfil

WALTER CENEVIVA

Quem não leu, nesta Folha, segunda-feira, o texto de Cláudia Trevisan sobre o Poder Judiciário perdeu a melhor reportagem do ano a respeito do tema, com dados estatísticos e informações preciosas a respeito da crise desse poder e dos grandes culpados por seu congestionamento: a União, o Estado de São Paulo, o INSS e as prefeituras.
A reportagem mostra o funil que, aberto na primeira instância, se fecha nos tribunais superiores, saltando de algo como 10 milhões de processos para menos de 200 mil. Vai do número relativo de magistrados em face da população brasileira à constrangedora comparação com o mesmo dado em países do Primeiro Mundo. Acentua problemas encontrados na Justiça dos Estados, nas Justiças Federal e Trabalhista.
Confirmei, em declaração feita, que, a curto prazo, o caminho para aprimorar a Justiça estatal não depende de ampla reforma das leis processuais. Uma parte importante do que a magistratura precisa para dar eficácia a seus serviços depende dela mesmo.
A solução dos conflitos, missão essencial do Poder Judiciário, será facilitada agilizando os processos na primeira instância e ampliando o atendimento da clientela desatendida, ou seja, o conjunto das pessoas que, tendo queixas a resolver, não as encaminha ao Judiciário porque é caro, demorado e até porque não sabe enfrentar as dificuldades burocráticas opostas.
Em teoria, o direito constitucional é lindo. O inciso 74 do artigo 5º da Constituição diz que "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos". Não presta. O julgamento das questões, submetidas pelos poucos atendidos gratuitamente, demora tanto ou mais que as outras. A maior parte da população nem entende os fatos do curso do processo e passa a acreditar que "há algo podre no reino da Dinamarca legal", piorando as coisas.
É bem verdade que o número de processos não pode ser tomado isoladamente. Muitos casos são repetitivos, em verdadeiros confrontos de "chapas" apenas xerocopiadas ou tiradas da memória dos computadores. Muitos são resolvidos pelos próprios interessados, como acontece, por exemplo, com execuções fiscais terminadas por pagamento feito diretamente pela parte interessada. Isso sem falar nos muitos casos parados nos cartórios, constando da distribuição, mas cujos supostos devedores só vêm a saber deles se precisarem de uma certidão negativa.
A curto prazo, a diminuição do número de recursos, apelações, embargos e agravos não vai resolver o problema, até porque envolve debate necessariamente longo.
A disponibilidade de varas e juntas de conciliação e julgamento, com a criação dos respectivos serviços burocráticos, confiadas a maior número de juízes, e o estímulo da conciliação compõem o primeiro passo. Não dependem de leis complicadas. Outro passo é a proibição de que o Poder Público, em sua administração direta e indireta, continue oferecendo recursos meramente protelatórios. Pode ser resolvido a curto prazo. Em escrito recente, o ministro José Celso de Mello Filho, presidente do Supremo Tribunal Federal, lembrava, quanto a processos da União, que o Advogado Geral pode, com base no artigo 4º da Lei Complementar 73/93, editar súmula com caráter obrigatório, dispensando o oferecimento de recursos. O mesmo esquema, nos Estados e nas municipalidades, principalmente em São Paulo, ajudaria muito. Trata-se, conforme anota Celso de Mello, de solução possível e, em nível federal, imediatamente aplicável, podendo desafogar os tribunais. O retrato do Judiciário, de frente e de perfil, está feito. Que venham os retoques.

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