São Paulo, sábado, 20 de dezembro de 1997
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Carla Perez não é para amadores

MARCELO RUBENS PAIVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

No Pelô, no exótico, no Brasil excêntrico, sob sol de verão, Carla Perez caminha, de biquíni, por entre a arte e o folclore. Por lá já andaram barões e escravos, já houve amores e açoites.
Agora, turistas e mascates. Quantas cores... O aroma de dendê. "Olha a punheta, olha o acarajé...", grita uma baiana. Ou a praça foi esvaziada para o ensaio fotográfico?
Seu corpo é alvo de uma lente profissional, que não quer perder detalhes. É alvo, também, do olhar de um vendedor ou balconista ou artista segurando o queixo, provavelmente perplexo -na Bahia são todos artistas, não se nasce, se estréia.
É alvo, também, de um índio pictórico, irritado, assustado, incomodado, invadido. Veja a foto desta página. As três raças Brasil olham Carla Perez andar. O branco trabalha, o negro observa e o índio é virtual.
"Empina mais, cuidado com o foco, será que é isso mesmo? A luz está boa, está tudo certo, nada com que se preocupar...", pensa o fotógrafo.
"O que é isso cor de sol que passou? Uma ameaça? O inimigo? Coisa esquisita, que pisa diferente, que rebola mais que a gente...", pensa o índio.
"Que visu, que cavala, que deusa, que olhos, que presente, quem me dera, que avião, que privilégio, o que que eu estou fazendo aqui?!", pergunta-se o balconista.
Carla Perez não é mais Carla Perez. Tem tanta coisa por trás de seu sacolejo, sua graça, seus quadris, sua loirice artificial. Ela é um fenômeno que desbanca todas as musas de bumbuns, como Gretchen e Rita Cadillac, pois ela é mais que uma musa do bumbum.
Ela é uma dança provocante, que excita. Ela é a corte da fêmea, que atrai. É uma selvagem movimentação, com malícia. Abaixa, sobe, mexe, rebola, balança. O que é tudo isso que não uma representação de um coito?
E, surpresa, seu público é amplo, sua lascívia cativa homens, mulheres e crianças. Sua lascívia não é para ser lasciva?
Não entendo Carla Perez. Muito menos crianças Carlinhas Perez dançando a dança da garrafinha. O que passa pela cabeça delas? Sabem o que aquilo sugere?
Uma nova sensualidade é proposta por essa loira que não é loira. Carla Perez é tão modernista, muito tropicalista. Seus impulsos nervosos desenham uma dança que ela própria inventou. Puro sexo. Mas seu rostinho é angelical, é fadinha, bonequinha de porcelana.
Carla Perez não está em julgamento. Ela revoluciona o ser feminino, radicaliza, seduz sem querer seduzir, como um decote que não quer ser tocado (só admirado), e faz do erotismo sua arte. Ela faz bem ao Brasil.
Querer censurá-la ou bani-la é uma irresponsabilidade. Isso deve ser pesquisado. Passamos por danças do ventre, tangos, o rebolar de Elvis, passistas, lambadas e chegamos no topo da dança sensual, na explosão, no fim do túnel.
Então, a pergunta: até onde mais pode-se ir? É, Carla Perez não é para amadores...

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