São Paulo, quarta-feira, 31 de dezembro de 1997
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Economia e magia

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - Até ler, ontem na Folha, o artigo "Onde o macroeconomista errou em 1997", de Guilherme da Nóbrega, estava disposto a vender meu passe para a editoria de esportes.
O mundo ficou complexo demais e interligado demais para meus poucos neurônios. Futebol, não. É linear: ganha sempre quem faz mais gols.
Guilherme da Nóbrega devolve a economia ao seu devido lugar: "Macroeconomistas erram porque lidam com uma realidade complexa a partir de modelos incompletos". Erram mais, hoje, porque "a globalização aumenta a dificuldade, ao forçar o analista a fazer juízos sobre muitas realidades diferentes".
Uma lição de humildade, depois que alguns economistas tentaram transformar a economia em magia.
Como toda magia, continha, supostamente, leis inexoráveis: déficit público era, inevitavelmente, sinônimo de inflação, por exemplo. Nem sempre, como o demonstra o caso brasileiro dos últimos 40 e poucos meses.
Nos EUA, chegaram a criar uma sigla que, até foneticamente, parece coisa de vodu: Nairu (taxa de desemprego que não acelera a inflação). A Nairu decretava que, com desemprego abaixo de 6%, a inflação disparava porque o virtual pleno emprego levaria a aumentos salariais.
O desemprego caiu abaixo de 6%, abaixo de 5%, e a inflação continua mortinha, mortinha.
Como em qualquer magia, muita gente passou a achar que a economia é um universo autônomo no qual só suas próprias leis contam. Como só a criptonita pode derrubar o Super-Homem, só desacertos nos "fundamentals", como os economistas enchem a boca para dizer, derrubam um país.
Política, comportamento social, psiquismos individual e coletivo, fraquezas dos governantes e dos agentes econômicos etc -nada disso contaria.
Continuo achando o futebol mais divertido, mas, após o artigo de Nóbrega, a economia volta a parecer coisa de seres humanos.

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