São Paulo, sábado, 1 de fevereiro de 1997
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Negócios causaram prejuízo de R$ 8,3 mi

A Prefeitura de São Paulo realizou, em um só dia, duas operações com a Contrato DTVM (Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários) e contabilizou um prejuízo de R$ 1,761 milhão.
Em 1º de dezembro de 1994, sempre segundo o relatório do Banco Central, o município vendeu um lote de 15,25 bilhões de papéis à corretora Contrato por R$ 29,875 milhões.
No mesmo dia, o Fundo de Liquidez -entidade jurídica do município responsável por garantir os papéis públicos da prefeitura- recomprou a mesma quantidade de títulos municipais por R$ 31,192 milhões.
Nessa operação, o prejuízo registrado para a prefeitura foi de R$ 1,317 milhão.
Ainda no mesmo dia, o Fundo de Liquidez vendeu mais 3,9 bilhões de títulos para a corretora Contrato.
Ao final do dia, a Prefeitura de São Paulo voltou a recomprar a mesma quantidade de papéis da mesma corretora por R$ 22,313 milhões. Prejuízo para o município: R$ 444 mil.
A operação representa uma variação de 4,4% no valor dos títulos em um mesmo dia.
As operações de "day-trade" foram consideradas "desnecessárias" pelos auditores do Banco Central.
Não houve alteração na quantidade de títulos no mercado (que voltaram em igual número para o Fundo de Liquidez) e o município perdeu recursos.
Normalmente, os municípios e Estados só fazem operações de um só dia com corretoras para evitar que elas tenham problemas de liquidez por carregar títulos.
Papéis municipais e estaduais são quase sempre de difícil negociação no mercado, porque são conhecidas as dificuldades de caixa desses governos.
Se uma corretora não consegue negociar um desses títulos, pode quebrar por não ter dinheiro para honrar outros compromissos.
Se isso acontecer, os títulos do governo estadual ou prefeitura perdem ainda mais a sua credibilidade.
No ano passado, quando começaram as suspeitas sobre operações com as "paulistinhas", a necessidade de manter o interesse do mercado pelos papéis foi um dos argumentos usados pela Prefeitura paulistana para justificar os juros pagos nas operações.
As operações com títulos da Prefeitura de São Paulo também beneficiaram as corretoras com o deságio (desconto) oferecido na venda dos papéis.
A Áurea DTVM (Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários) recebeu um desconto equivalente a 85,35% ao ano do Fundo de Liquidez do município.
O deságio foi considerado "absurdo" pelos auditores do BC, conforme consta do relatório entregue à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado que investiga irregularidades na emissão de títulos públicos.
Nos negócios com títulos públicos (de Estados e Municípios) sempre se oferece deságio pelos papéis, mas tendo em vista os juros de mercado.
Mesmo para Estados e municípios, que pagam juros mais altos porque seus títulos são considerados de risco, a taxa oferecida à Áurea DTVM é alta demais, segundo avaliação dos técnicos o Banco Central.
O município vendeu para a corretora 3,187 bilhões de títulos por R$ 15,932 milhões, em uma operação de 70 dias, e recomprou o mesmo lote por R$ 19,652 milhões (diferença de R$ 3,72 milhões).
A venda dos títulos pelo Fundo de Liquidez à Áurea ocorreu no dia 21 de setembro de 94.
A corretora revendeu a mesma quantidade de títulos no dia 1º de dezembro de 1994 para a Prefeitura de São Paulo.
A operação de 70 dias custou à Prefeitura de São Paulo um prejuízo de R$ 2,222 milhões.
Esse cálculo, do Banco Central, comparou a remuneração de 23,5% concedida pela prefeitura aos títulos vendidos com a taxa Selic, equivalente à média dos juros pagos por títulos públicos, de 9,4% no período.
Durante o prazo em que manteve os títulos em sua carteira, a Áurea Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários conseguiu dinheiro no mercado a uma taxa de juros mais baixa que a oferecida pelo Fundo de Liquidez.
Nesse tipo de operação, segundo afirma o relatório do Banco Central, o Fundo de Liquidez recompra o lote e proporciona "fantástica rentabilidade ao aplicador, notoriamente superior à taxa praticada no Selic".
A Áurea DTVM obteve o cancelamento da autorização para funcionamento em novembro de 1995.
As investigações do Banco Central detalharam uma operação em que houve retorno parcial à prefeitura do lote de títulos vendido às corretoras e às distribuidoras.
A Prefeitura de São Paulo teve um prejuízo de R$ 3,458 milhões com essas operações.
No dia 20 de novembro de 1995, o Fundo de Liquidez do município vendeu 76,686 milhões de títulos com vencimento em 1º de junho de 1988.
Desse total, 8,532 milhões de títulos (cerca de 11%) retornaram ao fundo nove dias depois. A venda desse lote gerou uma receita de R$ 9,596 milhões, e a recompra exigiu um desembolso de R$ 10,370 milhões (uma diferença de R$ 774 mil).
Antes de retornar ao Fundo de Liquidez da prefeitura, esse lote passou por oito instituições: Banco Indusval S/A, Valor CCTVM, JHL DTVM, Ativação DTVM, Banco Tecnicorp, Negocial DTVM, Corretora Vaz Guimarães e Contrato DTVM.
Cada vez que uma instituição financeira vendia o lote para outra, o valor final do lote era elevado.
Descontada a valorização que seria normalmente causada pela taxa Selic no período de nove dias (equivalente a R$ 95 mil), o prejuízo final da prefeitura nessa primeira operação foi de R$ 679 mil.
O restante do lote (68,153 milhões de títulos) foi vendido por R$ 76,647 milhões, também no dia 20 de novembro de 1995.
O relatório do BC rastreou o caminho desses papéis até os tomadores finais (Caixa Econômica Federal, Finabank DTVM Ltda, Banco Noroeste S/A e Banco Bradesco S/A), que pagaram por eles R$ 79,416 milhões, no mesmo dia 20 de novembro.
A diferença entre o que foi arrecadado pela prefeitura e o valor pago pelos tomadores finais foi de R$ 2,769 milhões.
O relatório do Banco Central questiona por que os títulos não foram oferecidos diretamente aos financiadores tradicionais (como grandes bancos, por exemplo) e qual a razão da participação de intermediários sem capacidade operacional para os volumes negociados.
"Parece que houve motivação dolosa", afirma o relatório. "Não se vislumbra fundamentação lógica na colocação dos papéis via ciranda mercantilista", conclui.
Em duas operações diferentes realizadas pela Prefeitura de São Paulo, a diferença entre o preço cobrado pelo município por títulos e o valor dos papéis no mercado foi "embolsada" pelas instituições que intermediaram a operação.
No dia 21 de novembro de 1995, a prefeitura paulistana vendeu 12,232 milhões de títulos por R$ 13,779 milhões.
No mesmo dia 21 de novembro de 95, esse lote passou por diversos intermediários (Negocial Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários, Leptos DTVM, JHL DTVM e Valor CCTVM) até chegar aos bancos Bradesco S/A e Indusval S/A.
No dia seguinte, 22 de novembro, o Indusval vendeu seu lote de 8,690 milhões de títulos para a Cedro DTVM, que manteve os papéis em carteira até o dia 23 de fevereiro de 1996.
Naquele dia, o lote foi vendido ao Banrisul S/A. O valor final pago pelo Bradesco e pelo Banrisul foi de R$ 15,445 milhões.
Em relação ao que foi arrecadado pela Prefeitura de São Paulo, a diferença entre as duas operações foi de R$ 795 mil, já descontados desse valor os juros médios de mercado.
No dia 13 de fevereiro de 1996, o município realizou uma nova oferta de títulos, vendendo 3,335 milhões de papéis pelo valor de R$ 4,088 milhões.
Nesse mesmo dia, o lote "passeou" por várias instituições financeiras do mercado até chegar ao Banco Noroeste, que pagou por ele R$ 4,247 milhões.
Mais uma vez, segundo avaliação do relatório do Banco Central ao qual a Folha teve acesso e publicou trechos em sua edição de ontem, a prefeitura paulistana poderia ter obtido mais recursos se tivesse efetuado a venda diretamente ao tomador final.
A diferença de quase R$ 160 mil foi "embolsada pelos intermediários", conforme observação do relatório do BC.
O Banco Central constata que, nessa operação, o desconto inicial vai sendo reduzido "drasticamente", em benefício das instituições intermediárias "envolvidas no esquema".
"Há uma diferença relevante entre o preço pago pelos financiadores finais e o preço pelo qual o Fundo de Liquidez vendeu os papéis", observa o texto do relatório do Banco Central, que foi feito para a CPI dos precatórios.

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