São Paulo, sábado, 1 de fevereiro de 1997
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Wenders mostra seus Lumière em Paris

LÚCIA NAGIB
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM PARIS

Tido na França como uma espécie de herdeiro de Godard, o alemão Wim Wenders goza de todas as regalias por aqui.
Até mesmo a de ter para seu último filme, de apenas 54 minutos, uma pré-estréia de gala, com cinco sessões acompanhadas de música ao vivo, ocorridas no último fim-de-semana em Paris.
O formato da média-metragem não autorizaria sequer um lançamento comercial, como o que acontecerá no próximo dia 29.
Mas Wim Wenders pode tudo, até mesmo ironizar o principal mito do cinema francês, com o título inteligente do filme, composto de um trocadilho à moda francesa: "Les Lumières de Berlin".
Essas "luzes de Berlim" poderiam ser entendidas como o contraponto alemão à "cidade-luz que é Paris. Mas a referência real são Auguste e Louis Lumière, os irmãos que, segundo os franceses, teriam sido os inventores do cinema, no ano célebre de 1895.
Para questionar esse fato, Wenders recupera a história dos irmãos Skladanowsky, que já em 1892 teriam feito experiências com a projeção de imagens em movimento.
Poderia virar polêmica, não fosse o tom declaradamente lúdico do filme que, aliás, esclarece desde o início que a máquina "Bioshops", inventada por Max, Engen e Emil Skladanowsky, era tecnicamente incapaz de competir com o "cinematógrafo" dos Lumière.
Mas o que interessa a Wenders é isso, o heroísmo dos fracassados. Wenders é o romântico que Godard nunca foi -suas aparições n filme estão longe do antiilusionismo auto-reflexivo godardiano.
Ao contrário, o diretor se transforma em personagem da ficção, dentro do fantástico sonho da imagem em movimento, narrado em "off" por uma voz infantil, a da menina Gertrud, filha de Max, que teria sido "a primeira atriz de cinema do mundo".
Para encenar as estrepolias circenses da família berlinense, que exibia seus inventos mágicos no Wintergarten de Berlin, Wenders filmava em preto-e-branco, com uma antiga câmara de manivela, recriando com graça aquele efeito de aceleração dos movimentos característicos do cinema dos primeiros tempos.
Enquanto isso, a pequena Gertrud vai narrando as trapalhadas e êxitos que marcaram os trabalhos dos Skladanowsky até a primeira exibição pública dos marcos do pré-cinema em que se transformavam os breves "O Canguru Boxeador" ou "A Dança da Serpentina". Estamos em 1º de novembro de 1895, portanto um mês antes da famosa primeira exibição pública dos irmãos Lumière em Paris.
No meio do filme, a Berlim de hoje de repente aparece em cores e entramos na velha casa dos Skladanowsky, onde ainda vive Lucie Hürtgen-Skladanowsky, irmã caçula de Gertrud.
A entrevista com a minúscula anciã, escondida atrás de seu baú de fotos e recordações, dando pela primeira vez um depoimento pessoal, compõe os momentos mais comoventes do filme.
Wenders sabe ser humilde ao honrar seus mestres. Em "Les Lumières de Berlin", ele completa um gesto iniciado em "No Decorrer do Tempo", em que entrevista proprietários dos cinemas decadentes da Alemanha.
"Os pioneiros esquecidos", a quem o filme é dedicado, na certa ficariam agradecidos de se verem assim contemplados, e com a competente trilha sonora, tocada ao vivo, à moda do cinema mudo.

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