São Paulo, segunda-feira, 3 de fevereiro de 1997
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Filme de 29 sobre São Paulo é restaurado

MARCELO RUBENS PAIVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

São Paulo pré-crack (antes da quebra da bolsa de Nova York, em 1929, que refletiu na economia paulista) é a protagonista do documentário experimental "São Paulo, A Synphonia da Metrópole".
O filme dos imigrantes húngaros Rudolpho Lusting e Adalberto Kemeny, que estreou em setembro de 1929, é uma obra inovadora.
Estilo da narrativa, imagens duplicadas e fusões inesperadas, linguagem inspirada no movimento surrealista, retratam a vocação de uma São Paulo metrópole, então com 1 milhão de habitantes.
O amanhecer, o trabalho, o vaivém dos bondes e calhambeques, as indústrias e o comércio no centro da cidade denotam que não é de hoje que São Paulo vive em ritmo frenético-surrealista.
"É um clássico do cinema brasileiro... Um hino de amor à terra que acolhera dois cineastas, um rompante de assombro de dois jovens imigrantes ao descobrirem um mundo novo no Mundo Novo", escreveu o crítico Benedito Duarte.
O filme, que há décadas não era exibido, teve sua cópia restaurada no laboratório da Cinemateca Brasileira, órgão do Ministério da Cultura.
O Sesc bancou a restauração (mais de R$ 30 mil) e a trilha sonora (R$ 20 mil), e o exibe nesta quarta (para convidados) e quinta (aberto ao público) no Cinesesc, em São Paulo.
Depois, o documentário viaja pelo Brasil e Europa -será apresentado em abril em Berlim.
O evento conta com uma performance ao vivo dos músicos Livio Tragtenberg e Wilson Sukorski, responsáveis pela nova trilha sonora do filme.
Restauração
Desde que assumiu a diretoria da Cinemateca, Tania Savietto se propôs a restaurar cópias de filmes brasileiros. Fez convênios com a iniciativa privada e com o laboratório de cinema Líder.
"Usávamos o laboratório da Líder e emprestávamos nossos técnicos. Eles aprenderam algumas técnicas de restauro com nossa gente. Foi uma boa troca. Agora, temos nosso laboratório. O documentário é o primeiro filme totalmente restaurado na Cinemateca", diz Savietto.
Em 1996, foram 23 filmes restaurados -6 clássicos de Mazzaropi, passando por Humberto Mauro, Glauber Rocha, Cacá Diegues, Zé do Caixão, entre outros. O custo de cada restauração fica em torno de R$ 15 mil.
"Não fazemos distinções. Restauramos obras do nosso acervo, que vão de Humberto Mauro às chanchadas", diz Savietto.
O princípio da restauração é refazer o "master" (acetato ou nitrato que contém os fotogramas originais). No caso da Cinemateca, fazem-se também cópias. "Não adiantaria nada restaurar e não exibir ao público", explica Savietto.
Em relação a "Synphonia da Metrópole", a diretora executiva da Cinemateca diz que foi a restauração mais cara e mais difícil.
"Era o filme que estava pior. Levamos dois anos no projeto. É uma obra prima. Ele tem uma projeção ufanista sobre um futuro que não aconteceu", diz Savietto.
Synphonia
O documentário de 70 minutos (preto & branco, mudo, 35 mm) teve originalmente sequências tingidas em laranja e magenta. A intenção dos diretores era ampliar o calor e a dramaticidade das cenas.
Nas filmagens, os cineastas não tinham equipamentos de pós-produção. Muitas das aparelhagens foram inventadas por eles, como as lentes que fazem o efeito caleidoscópio que registra o trânsito de 1929 de São Paulo.
Para complicar o trabalho de sua restauração, o filme foi produzido em nitrato, material inflamável que, alguns anos depois, foi substituído por acetato pela indústria cinematográfica.
"No nitrato, a fotografia é mais linda, mas dá mais trabalho", explica Patrícia de Filippi, coordenadora da equipe de restauro.
Filippi, fotógrafa que aprendeu restauração no Arquivo Público de Nova York, e que recentemente restaurou "Terra em Transe" e filmes de Humberto Mauro, trabalha com o auxílio de uma moviola telecinada.
Muitos dos equipamentos e materiais usados para o restauro de "Synphonia" tiveram de ser adaptados por sua equipe - como um "copiador ótico com janela molhada" que tira, quadro a quadro, as deteriorações das imagens originais.
"Todos os filmes, com o tempo, encolhem. Eles têm elementos do reino animal, vegetal e mineral. Cada elemento tem um ciclo de vida diferente. Para piorar, o Brasil é quente e úmido, o que acelera a deterioração a tal ponto que especialistas europeus se surpreendem", diz Fillipi.

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