São Paulo, sábado, 8 de fevereiro de 1997
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Leis governam a vida

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Recebi curiosa crítica num trecho de meu comentário anterior, no qual escrevi que, "gostemos ou não, o mundo é regido por leis".
A crítica veio firme: "você diz isso porque é advogado. Estava defendendo seus próprios interesses". Tratei de repensar a frase, para verificar se a acusação era procedente, mas concluí pela negativa.
Tratando-se de um julgamento em causa própria, pois decidi a meu favor, acho bom dividir a dúvida com o leitor.
Naquele comentário usei a palavra "lei" como é empregada em todos os campos das ciências, humanas, físicas, biológicas.
Só não há lei no mundo das esperanças, dos amores e dos sonhos, quando a imaginação valida tudo.
No plano da realidade se sabe que as leis jurídicas são necessárias como o ar que se respira. Se o meu crítico dissesse que as leis reconhecidas pelo direito não são absolutas, mas, ao reverso, estão em constante mutação, eu lhe daria razão.
Se, por esse motivo, me afirmasse que elas não se confundem com as leis da natureza, alegando que estas são definitivas, imutáveis, entraríamos em novo desacordo.
Para o ser humano comum, as leis da natureza são o que outros seres humanos, os cientistas, dizem que elas são.
Dou o exemplo clássico de Ptolomeu. Durante séculos e por mais de um milênio, a teoria de Ptolomeu, segundo a qual a Terra era o centro do universo e o Sol girava ao redor dela (tanto que se levantava ao amanhecer e se punha no oriente, na chegada da noite), foi aceita sem discussão maior. Era a lei conhecida, aceita, aplaudida, embora falsa.
No direito, assim como na física, há leis universais. Aliás, a universalização das leis jurídicas é um moderno fato concreto, especialmente na área comercial, mostrado pelas transformações introduzidas no direito brasileiro, embora nem todos percebam o que acontece. Fenômeno parecido pode ser detectado nas leis físicas, tidas durante séculos como absolutas, até que nova descoberta substitua a velha realidade por outra.
O caso mais glamouroso é o de saber se a famosa lei de Newton sobre a relação de massa e distância (matéria atrai matéria na razão direta das massas e na razão inversa do quadrado das distâncias) sobrevive em face da teoria da relatividade, sustentada por Albert Einstein.
As teses de Newton subsistem até o presente, passados mais de 300 anos dos tempos em que formuladas, mas foram "revogadas" por Einstein, segundo o entendimento mais moderno.
A maior parte das pessoas não conhece as leis da natureza, do mesmo modo que ignora as do direito.
Quando o peso cai no dedo do operário, ele reclama dos efeitos, mesmo sem entender da lei da gravidade.
Quando o juiz de casamentos pronuncia as palavras sacramentais, previstas, uma a uma, no artigo 194 do Código Civil ("... eu, em nome da lei, vos declaro casados") são raros os nubentes que sabem a extensão dos efeitos dessa declaração, embora sofram (ou gozem) suas consequências, por toda a vida, ainda que o matrimônio se desfaça.
Num mundo em que se tornou impossível a cultura universal, característica de gênios como Aristóteles e Leonardo Da Vinci, é normal que as leis da natureza e do direito sejam conhecidas por poucos e, entre estes, apenas em campos específicos.
A complicação do direito é tão inacessível quanto o funcionamento do relógio a quartzo, da panela de pressão e da ignição eletrônica dos automóveis. São equipamentos submetidos a leis geralmente ignoradas, a cujo respeito a maior parte dos usuários não dispõe de acervo cultural para romper a barreira da ignorância.
A diferença está em que a ignorância do direito é muito mais grave para a sociedade.

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