São Paulo, terça-feira, 11 de fevereiro de 1997
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As duas faces de Simonsen

CELSO PINTO

Quando Tancredo Neves foi eleito presidente, montou, rapidamente, um enorme conselho para discutir a futura política econômica de seu governo. Juntava seus aliados da esquerda e da direita, uma babel de idéias e sugestões exposta a uma maciça cobertura da mídia.
Ao mesmo tempo, contudo, Tancredo, um mineiro tão hábil quanto conservador, pediu a seu sobrinho, Francisco Dornelles, para montar sua verdadeira política econômica, com a ajuda de Mário Henrique Simonsen. Enquanto a mídia discutia as idéias do conselho oficial, um ex-ministro dos militares ajudava a construir os pilares econômicos reais da Nova República.
O fim da história é conhecido. Tancredo nunca tomou posse. Dornelles virou ministro da Fazenda, mas, sem força para impor suas idéias, durou seis meses.
Simonsen, por sua vez, inaugurou um papel que viria a desempenhar com crescente desenvoltura e sucesso na Nova República: o de conselheiro de bastidores. Foi um desempenho muito menos visível do que tivera como ministro dos governos Geisel e Figueiredo, mas relevante.
Ao final do governo militar, não tinha espaço político para ser ministro. Sabe-se lá se Tancredo tivesse governado e aplicado com sucesso uma política liberal inspirada por Simonsen, se sua carreira como homem público não teria sido retomada de outra forma. O fato é que, com o tempo, Simonsen, talvez o economista brasileiro com maior prestígio internacional, reconstruiu seu espaço político interno. Fernando Collor namorou com a idéia de tê-lo como ministro, e presidentes e ministros recorreram a ele, com frequência, quando a crise apertava. Teve uma enorme influência como articulista, nos últimos anos, e acabou conquistando um nicho, apoiado por sua competência como economista, longe das disputas políticas menores.
Ironicamente, fora do poder Simonsen acabou tendo mais chances para brigar por idéias que não conseguiu executar quando esteve em Brasília. Liberal, Simonsen foi o ministro da Fazenda de um governo, o do general Geisel, marcado por um forte avanço da estatização. Foi o período em que a primeira crise do petróleo e seus efeitos desastrosos sobre as contas externas foi enfrentada com mais investimentos em substituição de importações e mais proteção interna. Nada que se pareça com o que o acadêmico Simonsen defenderia fora do governo.
Foram os anos em que o governo proclamava ser o Brasil "uma ilha de prosperidade num mar revolto", uma tolice descomunal que não combinava com a racionalidade cartesiana do engenheiro, economista e matemático Simonsen. Quando o general Figueiredo assumiu a presidência em 79, com outra crise do petróleo pela frente, Simonsen foi para o Planejamento e defendeu o caminho oposto: um ajuste na economia para absorver o choque externo. Perdeu a guerra com Delfim Netto, que defendia a tese contrária, do crescimento rápido. Em quatro meses Simonsen deixou o governo e assistiu Delfim, depois de uma desastrosa prefixação da correção monetária em 1980, fazer, em 81, a pior recessão do Brasil desde os anos 30. O país acabou indo para o ajuste, mas mais frágil.
Um pioneiro e inovador no estudo da indexação e seus efeitos, Simonsen, num depoimento em outubro de 95 para o livro "Conversando com Economistas Brasileiros", disse que desde a época de Geisel estava convencido de que uma terapia apenas ortodoxa, inspirada pelo FMI, não liquidaria a inflação. Como ministro, contudo, jamais conseguiu aplicar qualquer terapia que atacasse a indexação.
Como conselheiro, foi uma figura de destaque nos debates que precederam e sucederam o Plano Real. Simonsen foi a primeira voz "ortodoxa" a sair em defesa das idéias da inflação inercial, em 85. Era muito próximo da equipe de economistas da PUC do Rio que fez o Real e, de longe, seu mais influente interlocutor.
Como administrador era confuso, como acadêmico era brilhante. Deixou a vida no auge de seu prestígio intelectual.

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