São Paulo, quinta-feira, 13 de fevereiro de 1997
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Ataque judeu levou Lamia à causa palestina

EMANUEL NERI
DA REPORTAGEM LOCAL

O massacre ao campo de refugiados de Sabra e Chatila, em 1982, levou Lamia Maruf Hassan ao hospital. Deprimida e com crises de choro, ficou dois dias hospitalizada.
O choque provocado pelo massacre, em que morreram principalmente crianças e velhos, fez também a cabeça política de Lamia. Para os familiares, nascia a partir dali uma ativista da causa palestina.
Sua primeira iniciativa foi se juntar a outros jovens árabes para fundarem em São Paulo o Sanaud, com atividades culturais e políticas. Em árabe, Sanaud significa "voltaremos". A maioria dos jovens era de origem palestina.
Lamia assinou a ata de fundação do Sanaud, em 82, logo após o massacre de Sabra e Chatila. Funcionava na rua Senador Queirós, centro de São Paulo. A entidade, hoje com pouca atividade, foi responsável por manifestações políticas em vários pontos da cidade.
Antes do Sanaud, Lamia já se interessava pela causa palestina. Sua estante de livros no quarto que ocupava, na casa dos pais, no bairro do Planalto Paulista, mostra seu rumo político.
Todos os livros apontam para a luta palestina. De autores diversos, há livros como "História da Palestina", "O Amor Mais Forte que a Morte -Sionismo e Resistência Palestina" e "O Oriente Médio".
Um dos livros, "Por que Lutam os Palestinos", é de autoria do próprio Iasser Arafat, principal líder palestino. Nassif, um dos sete irmãos de Lamia, diz que ela começou a ler esses livros muito cedo.
Nascida em Manaus (no Amazonas), no dia 30 de maio de 1964, Lamia se mudou com a família para São Paulo em 1980. Seu pai tem uma loja de material importado no Brás. Estudou no Liceu Acadêmico de São Paulo, um colégio particular. Queria ser jornalista, mas não teve tempo de fazer vestibular.
No ano seguinte ao massacre, Lamia viajou pela segunda vez para visitar parentes em Deir Ballut, território palestino ocupado por Israel. O casamento com seu primo, Tawfic Ibrahim, em 83, mudou definitivamente sua vida.
Tawfic era militante da Al Fatah, uma das facções da OLP (Organização para a Libertação da Palestina), que combatia a ocupação israelense. Foi Tawfic quem a convenceu a usar seu passaporte brasileiro para alugar um carro utilizado no sequestro de um soldado israelense, que acabou morto.
Mas a família diz que o engajamento político de Lamia sempre se deu no plano da consciência. Ela nunca participou diretamente de atividades terroristas. Para seus irmãos, ela era uma "prisioneira política", nunca uma terrorista.
"Não hesitei quando o Tawfic me pediu para dirigir o carro no sequestro. Só participei da operação porque meu marido não sabe dirigir", diz sobre o episódio que resultou na morte do soldado e em sua condenação à prisão perpétua.
Mas a luta contra alvos israelenses sempre teve a simpatia de Lamia. "O ataque a alvos militares era legítimo em nossa luta contra a ocupação israelense." Mas sempre discordou de ataques a alvos civis, inclusive os de autoria da OLP.
Filha no Brasil
Lamia adorava o Brasil. Na prisão, protestava quando fitas cassetes de música brasileira, enviadas por familiares, eram apreendidas. "Desde quando Chico Buarque, Milton Nascimento e Legião Urbana atentam contra a segurança de Israel", dizia em carta aos irmãos.
Em 85, antes de ser presa, fez questão de vir ao Brasil com o marido, para dar à luz sua filha, Patrícia, hoje com 11 anos. Foi presa em março de 86, quatro meses após voltar do Brasil com a filha.

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