São Paulo, sexta-feira, 14 de fevereiro de 1997
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Martha Stewart mata de inveja a mulher moderna

NINA HORTA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quem é Martha Stewart?
Como diriam os americanos, Martha é uma "food-person", alguém ligado à comida.
Em 1983 minha sócia e eu compramos o primeiro livro dela, "Entertaining", na livraria Bux. Chegando ao bufê, folheamos de cabo a rabo e nossas reações parece que resumiram as milhares de laudas gastas com a autora nos anos seguintes. "Meu Deus, vou ter que fazer mais sete anos de análise!", "Olha só a casa, as panelas, as couves, as flores! É tudo produção e cenário!".
Fomos correndo devolver o livro. Polly, a dona da livraria, nos botou porta afora com o dedo em riste. "Nada de devolver livro nenhum. Vocês estão é com inveja. Mortas de inveja, isso sim!"
E era, um pouco. Começando como nós, com um simples bufê e escrevendo um livro, Martha Stewart, no ano passado, movimentou US$ 200 milhões com o tal do bufê, uma revista mensal com 8 milhões de leitores, um programa de TV com 15 milhões de telespectadores e 1 milhão de cópias vendidas só de um dos livros.
É uma mulher esforçada, perfeccionista, extremamente preocupada com a carreira e que se transformou numa marca. Forma a opinião de milhões de americanos que têm o direito e quase a obrigação de viver bem com dinheiro novo e que não sentem muita segurança em gastá-lo.
Martha Stewart conseguiu criar uma imagem de família feliz que todos idealizam. Casas bem tratadas, jardins floridos, comida gostosa, crianças alegres, velhos junto à lareira (não, acho que não tem velho) e ela presidindo tudo, loira, alta, bonita, inteligente e ainda por cima magra.
Ajudando a criar o clima, cozinhas enormes, limpas, onde não se vê um objeto velho e feio, uma bacia de plástico ou um pano de prato esfiapado. Só panelas de cobre, superfícies de mármore e alumínio, ladrilhos mexicanos, louça branca, cestas de palha, galinhas poedeiras, madeira e muita comida fresca espalhada.
Toda sua capacidade, criatividade, enorme energia, segurança e autoconfiança estão à venda. Você olha e quer igual. E ela, ainda por cima, adora o que faz. Não se despenteia, não se queixa, diverte-se à grande, levando sua vida, gastando bem seu dinheiro, escrevendo seus livros, vendendo suas panelas, produzindo suas festas.
É um gênio de marketing. Mas, ao mesmo tempo que provoca o consumo, ensina o "do it yourself", conserta a torneira do banheiro, pinta a casa, mantém a chácara, levanta o muro, uma contradição em termos. A mulher, literalmente, pinta e borda.
É justo, no entanto, dar a ela o direito de defesa, pois tanto quanto é amada e seguida, é odiada. Sem meio termo. Ao ser questionada se não estaria "disneyzando" a idéia de casa, de aconchego e de família, ela responde que não. Que só o que faz é escrever livros e ensinar coisas boas e agradáveis. Não escolheu ser a dona-de-casa tempo integral nem caiu na armadilha de querer uma carreira de Amanda em "Melrose". Que tomar conta de uma casa, participar de uma comunidade são coisas que exigem coração largo e muito trabalho. Sabe que a geração que a prestigia é a última a ter sido criada com roupa lavada e passada e comidinha caseira na mesa e que sentem falta disso, lá isto sentem. Sabe que ninguém quer e nem pode mais se identificar com panelas brilhantes e bolos de fubá mas, de repente... E que conciliar trabalho fora e dentro de casa é um enigma, que ela, Martha, consegue decifrar.
E, então, as mulheres, presas no trânsito, ansiosas, atrasadas, mil coisas por fazer, lembram-se dela, loira Martha, com seus biscoitos saídos do forno, suas cestas de morangos rubros e ovos de marfim -e aí odeiam o ícone que elas próprias criaram. Afinal, é melhor odiar a mulher perfeita que ela parece ser do que suas próprias vidas danadas de difíceis.
Uau, Martha Stewart, nosso pesadelo. Falou.

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