São Paulo, sexta-feira, 14 de fevereiro de 1997
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Lamia chega a SP e já quer voltar a Israel

MAURO TAGLIAFERRI
DA REPORTAGEM LOCAL

Menos de cinco horas após chegar a São Paulo, a brasileira Lamia Maruf Hassan afirmou que pretende voltar a Israel para lutar, pacificamente, pela causa palestina.
Ela desembarcou ontem de manhã no aeroporto de Cumbica. Na terça-feira, ela havia sido libertada da prisão, em Israel, após passar quase 11 anos detida.
A brasileira e o marido, Tawfic Ibrahim Mohammed, foram condenados à prisão perpétua por se envolverem, em 1984, no assassinato de um soldado israelense.
A liberdade de Lamia foi consequência das negociações de paz entre palestinos e israelenses. Ainda assim, o governo de Israel expulsou-a do país logo que ela foi solta. Mohammed continua preso.
Ontem, já na casa dos pais, a ex-prisioneira disse que vai apelar da sua expulsão. O presidente da Autoridade Palestina, Iasser Arafat, já estaria intercedendo por ela.
"Há um batalhão de advogados em Tel Aviv que entrou em contato comigo. E o Arafat mandou um recado para eu colocar as mãos em água fria", afirmou Lamia, referindo-se a uma expressão árabe cujo significado é "ter calma".
A intenção da brasileira é retornar o quanto antes a Israel para ajudar na libertação de seu marido e na de outros prisioneiros políticos. "Estou até constrangida. Tudo isso à minha volta aqui e ele (Mohammed), lá", disse.
A brasileira contou que viu o marido pela última vez há oito dias. Anteontem, mandou um cartão para ele, de Londres.
Política
"Estou disposta a lutar pela paz. Fiquei quase 11 anos na prisão, aprendi muito, e seria um desperdício não fazer nada. A nata dos militantes palestinos ainda está na cadeia", afirmou.
No presídio, a brasileira aprendeu política, não só na teoria, mas também a fazê-la.
"Na prisão, há várias facções e organização entre as presas. Só se falava em política, porque sabíamos que os nossos destinos seriam determinados por ela. Não havia um noticiário que não víssemos."
"Também tínhamos aulas de idiomas e de política. Aprendíamos história e geografia, porque sabíamos que a situação geopolítica gerou tudo aquilo", disse.
Tornou-se, então, líder das prisioneiras e comandou movimentos e greves de fome por pequenas conquistas, como poder visitar o marido. Segundo ela, "a liderança foi uma coisa natural".
E foi ainda pelo aspecto político que Lamia explicou seu envolvimento na morte do soldado David Manos. "No contexto que havia lá, a ação foi algo heróico. Era inconcebível ficar de braços cruzados, vendo as pessoas apanhando e crianças sendo mortas."
"Minha participação foi secundária. Só dirigi um carro. Quem vive lá se envolve em alguma atividade, é inevitável. Meu marido era líder daquela região e recebeu ordens de Arafat. E ele ainda é um soldado. Todos somos."
"Eu não era de muitas perguntas. Sabia que meu marido era engajado, mas não perguntava muito. Quando saí do Brasil, eu já era politizada e, pelo que acompanhava da perseguição aos opositores do governo militar, sabia que quanto mais se sabe, pior."
Hoje, no entanto, a ação não seria realizada, segundo Lamia. "No novo contexto, de jeito nenhum. Com o Arafat negociando, eu iria escandalizar a vida dele? Hoje, a palavra, a pressão política e as relações entre os povos têm mais força que as armas", afirmou.
Lamia Hassan quer voltar também por questões sentimentais. "Tinha umas oliveiras que eu adorava na minha aldeia. Eu fazia churrasco brasileiro debaixo delas", disse.

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