São Paulo, sábado, 15 de fevereiro de 1997
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Desincompatibilização

ZENO VELOSO

O vigente artigo 14, parágrafo 5º, da Constituição declara que são inelegíveis para os mesmos cargos, no período subsequente, o presidente da República, os governadores, os prefeitos e quem os houver sucedido ou substituído nos seis meses anteriores ao pleito.
O projeto de emenda aprovado em primeiro turno na Câmara dá ao parágrafo 5º a redação: "O presidente da República, os governadores de Estado e do Distrito Federal, os prefeitos e quem os houver sucedido ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos por um período subsequente".
Instaurou-se dúvida quanto a terem ou não os candidatos à reeleição de se desincompatibilizar, isso é, renunciar aos mandatos até seis meses antes do pleito.
O douto ministro Jobim, da Justiça, expôs que não terão de se desincompatibilizar os chefes de Executivo candidatos à reeleição, uma vez que o texto aprovado não exige tal providência, que tinha de vir expressa, não se aplicando ao caso o parágrafo 6º do artigo 14, que prevê a desincompatibilização para concorrer a outros cargos.
Realmente, a redação aprovada é omissa no caso de reeleição. Porém, o parágrafo 6º, não-alterado, enuncia que, para concorrer a outros cargos, os chefes de Executivo devem renunciar até seis meses antes do pleito. A intenção é resguardar a normalidade e a legitimidade das eleições, evitar uso e abuso da máquina administrativa, do poder político e econômico.
É óbvio que esse princípio deve ser aplicado aos que forem candidatos ao mesmo cargo, até por maior razão. A Constituição não mencionou claramente a hipótese pelo simples motivo de que, até o momento, os chefes de Executivo são irreelegíveis; não podem, para o mandato subsequente, ser candidatos ao mesmo cargo.
Devemos entender o parágrafo 5º do artigo 14, aprovado em primeiro turno, obedecendo a uma das regras capitais de interpretação do Texto Magno, que é a da unidade da Constituição, pelo que as suas normas têm de ser lidas diante de uma visão do todo lógico e orgânico da Carta, até para evitar as contradições entre os preceitos e prevenir o antagonismo entre os princípios jurídico-estruturantes.
Nem se alegue que a exigência da desincompatibilização é uma restrição de direito, tendo de ser literalmente enunciada. Já vimos que a restrição referente à desincompatibilização consta, expressamente, no parágrafo 6º do artigo 14, tratando-se de um princípio geral, que é extensível, por um imperativo lógico, jurídico, político e até moral ao novo parágrafo 5º.
Para resguardar os fundamentos da Lei Maior, o TSE já decidiu que a concubina do prefeito é inelegível, que o prefeito não pode ser candidato a vice-prefeito e que o vice-prefeito é inelegível para o mesmo cargo. Nenhuma dessas restrições estava explicitada, o que não impediu que a Constituição fosse interpretada na busca do bem comum, na defesa do princípio da moralidade. Afinal, o direito não se esgota na lei.
Pretender que o presidente, candidato à reeleição, permaneça no exercício do cargo, mas tenha de deixá-lo até seis meses antes do pleito se for candidato a deputado ou a senador é disparatado, e nosso direito ficaria torto e zarolho, injusto e desarrazoado se tal despautério fosse admissível. Data maxima venia!

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