São Paulo, sábado, 15 de fevereiro de 1997
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O congestionador carnavalesco

WALTER CENEVIVA

O Supremo Tribunal Federal está congestionado. O número de feitos julgados na mais alta corte do país é tão grande que gera uma sensível diminuição na qualidade possível da orientação dada aos outros tribunais brasileiros, quanto à sua interpretação constitucional do direito vigente, da qual é o guardião, conforme vem definido no artigo 102, da Carta de 1988.
Se o leitor supuser que o congestionamento se deve à litigiosidade crescente do cidadão brasileiro, estará redondamente enganado. Mais da metade dos recursos extraordinários e de agravos indeferitórios de recursos extraordinários no Supremo -são esses os admitidos pela Constituição- são oferecidos pela União Federal e pelo INSS, que é a entidade previdenciária federal. 50,38% de tais recursos ou são apresentados pelos advogados da União ou pelos procuradores da previdência pública. Pouco importa que tais recursos sejam simples cópias de outros, repelidos centenas ou milhares de vezes por aquela corte. No esforço para não pagar o que devem, a União e o INSS não hesitam diante de nada.
Se somarmos as duas entidades federais referidas, mais os mesmos recursos, apresentados pelo Estado de São Paulo e pelo município de São Paulo (estes correspondem a 12,78% do total), verificaremos que 63,16% deles são de apenas quatro das fontes mencionadas, absorvendo quase um terço do inteiro movimento de nosso tribunal constitucional.
A verdade, portanto, vem escancarada: o grande congestionador da Justiça é o mesmo poder público, cujo dever essencial é o de proporcionar justiça ao povo. Leis absurdas e uso delas mais absurdo ainda, não raras vezes acrescido de comportamentos antiéticos, mostram que os chamados poderes constituídos são superlativamente hipócritas, dando origem a um carnaval na mídia, quando se queixam da lentidão judicial para cobrarem seus créditos, mas a utilizam exaustivamente para não pagarem o que devem.
São Paulo (Estado e município) recorre mais do que os demais Estados do Brasil. Quero deixar claro para o leitor que não estou tratando de recursos apresentados contra as fazendas paulista e paulistana, mas de petições oferecidas por estas, como recorrentes, em questões nas quais foram derrotadas no todo ou em parte.
O que isso tudo está a significar? Simplesmente que o número de feitos submetidos aos 11 ministros excede o que eles têm condição de julgar. Muitos processos constituem repetição de outros, cuja orientação se consolidou no tribunal. Muitos, porém, exigem estudo específico, para a resolução de questões controvertidas. O caso mais dramático está na grande parte dos recursos opostos pela Previdência Social contra decisões judiciais a favor de trabalhadores. Trabalhadores pobres, cujos proventos de aposentadoria por idade, por tempo de serviço ou por razões de saúde são pagos irregularmente, ou não são pagos. Mesmo assim a Previdência, com olímpica indiferença, prossegue utilizando todos os recursos para não quitar suas obrigações, enquanto uns poucos felizardos desfilam, felizes, na passarela da corrupção.
No círculo vicioso dos braços de governo que impedem o funcionamento do segmento judicial, mas reclamam dele, haverá pouca esperança de justiça a curto prazo enquanto os órgãos do Executivo, os grandes congestionadores, continuarem com o carnaval das queixas, sem adotarem as cinzas do arrependimento e as providências sérias para conterem suas próprias apelações.

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