São Paulo, sábado, 15 de fevereiro de 1997
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Saura aborda renascimento do fascismo na Espanha em 'Táxi'

EDIANA BALLERONI
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM MIAMI

É difícil reconhecer Carlos Saura em "Táxi", que foi exibido no Festival de Cinema de Miami, encerrado no último domingo.
O genial diretor de "Cria Cuervos", "Mamãe Faz 100 Anos" e "Bodas de Sangue" dirige um filme não escrito por ele -o que talvez explique a desarmonia que o filme transmite ao espectador.
O roteirista -Santiago Tabernero- tratou de maneira maniqueísta a questão do ressurgimento do neofascismo na Espanha.
Saura afirmou que "Táxi" não deve ser olhado como um retrato da realidade, mas sim como uma obra expressionista e perene, cuja expressão pictorial foi inspirada em Goya. "Um mestre que inspirou muitos de meus filmes", diz.
O pintor espanhol Francisco Goya, que viveu entre os séculos 18 e 19, expressou, no fim da vida, sua irritação com as guerras napoleônicas e o autoritarismo dos governantes espanhóis. As cores são escuras e as linhas brutas e diretas.
A explicação é melhor do que o filme. Nem mesmo a fotografia -feita pelo premiadíssimo Vittorio Storaro- chama a atenção, exceto pela meia hora final.
"Táxi" conta a história de um grupo de taxistas que trabalham à noite e formam uma confraria neofascista, que resolve "limpar" Madri da "sujeira": negros, imigrantes, prostitutas, homossexuais e drogados.
Os jovens filhos de dois desses taxistas se apaixonam. Paz (Ingrid Rubio) resolveu ir trabalhar com o pai depois de ser reprovada nos estudos. Dani (Carlos Fuentes) já trabalha com a mãe e faz parte da confraria. A garota começa a notar que há algo de errado com esse grupo e com seu namorado -e acaba descobrindo a verdade.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
*
Folha - Seu filme propõe uma reflexão sobre os movimentos neofascistas na Europa, mas é ao mesmo tempo uma mirada sobre o desamparo da juventude. O que o sr. buscou alcançar?
Carlos Saura - Exatamente isso. Desde que esses movimentos começaram a surgir -não só na Espanha, mas em toda Europa e América- eu queria filmar algo sobre eles. Quando o roteiro chegou às minhas mãos, eu disse "É isso, está bem". Por trás deles às vezes há uma ideologia ou uma religião, mas são sempre condutas marcadas por posturas extremas.
Folha - Por que usar taxistas como metáfora da sociedade?
Saura - Poderia ser um grupo de pessoas qualquer. O interessante em relação aos taxistas é que eles têm uma vida noturna intensa.
Folha - A crítica se dividiu em relação ao filme em todo o mundo, e na Espanha ele não foi bem aceito. A que o sr. atribui isso?
Saura - É curioso, mas eu sempre tive uma relação estranha com a crítica espanhola, talvez porque ela não me interesse. Eles não gostaram do tratamento do tema e da fotografia. Minha intenção não era fazer um filme realista, mas sim um filme que possa ser visto daqui a vários anos e continuar válido.
Folha - Por que fazer o filme na forma de um suspense?
Saura - É a primeira vez que eu faço um filme sobre um roteiro que não é meu. A estrutura me pareceu interessante.
Folha - Vittorio Storaro foi seu diretor de fotografia em "Flamenco". O sr. já havia decidido chamá-lo para trabalhar também em "Táxi"?
Saura - A decisão de chamá-lo para trabalhar em "Táxi" existia porque a partir de "Flamenco" eu decidi que sempre vou trabalhar com ele (risos).
Folha - Por que essa paixão quase obsessiva pelo flamenco?
Saura - Porque é uma música e uma dança extraordinárias, antigas, mas que são sempre modernas. O flamenco é renovador, vital, tem esse poder de não morrer, de estar sempre se renovando...
Folha - O sr. já esteve no Brasil?
Saura - Não, nunca tive a oportunidade.
Folha - Conhece o samba?
Saura - Quem não conhece o samba!
Folha - Por que não faz um filme sobre o samba?
Saura - Quando os produtores me chamaram para fazer "Flamenco", eles me disseram que queriam fazer um filme sobre o samba. Não sei o que aconteceu. Não sei se o projeto foi adiado ou abandonado. Mas eu gostaria de fazê-lo.
Folha - Qual será o seu próximo filme?
Saura - Chama-se "Tango". É um musical em que estou trabalhando há um ano. Começo a rodar em março, na Argentina.

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