São Paulo, sábado, 15 de fevereiro de 1997
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Filme discute questões existenciais com elegância

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

A comparação inevitável de "O Paciente Inglês" é com "Lawrence da Arábia", de David Lean, que em 1962 ganhou o Oscar de melhor filme e melhor diretor.
Mas enquanto "Lawrence" é um épico clássico, "Paciente" é "cinema épico de natureza pessoal", na exata definição do seu diretor, Anthony Minghella.
As grandes batalhas são interiores. Na literatura, é mais simples descrever os conflitos de personagens que lutam para definir sua lealdade, sua opção entre o dever e a auto-indulgência, suas esperanças e memórias reconstruídas.
No cinema, fazer isso depende dos atores. Minghella teve talento e sorte nas escolhas que fez. Se de Ralph Fiennes já se podia esperar desempenho excelente pelo que já se vira dele em "A Lista de Schindler", Kristin Scott Thomas e Juliette Binoche foram uma aposta.
As duas se saem magnificamente. Binoche, a enfermeira que deserta para cuidar de um paciente com horríveis queimaduras, o conde húngaro Laszlo Almasy, irradia a ingênua simplicidade de uma garota que não suporta os horrores da guerra e resolve se dedicar a um homem de inegável charme, cheio de mistérios e sem esperança de sobreviver.
Thomas surpreende com a sensualidade com que interpreta Katharine, amante inglesa do conde.
Em torno da devastadora história de amor de Laszlo e Katharine se desenrola o filme, em contínuos saltos no tempo e no espaço: do norte da África para a Toscana, de antes da Segunda Guerra para o seu final. A edição de imagens belíssimas chega a ser microcirúrgica, de tão precisa, e a música de Gabriel Yared é discreta e eficiente.
"O Paciente Inglês" foi mal recebido por alguns críticos preocupados com o rigor histórico. O conde Laszlo almasy existiu de verdade, serviu na inteligência nazista, foi condecorado pelo marechal Erwin Rommel e, na Guerra Fria, espionou para a União Soviética. Morreu de disenteria, não de queimaduras, em 1955, na Áustria.
Segundo os críticos, o filme acaba passando ao público uma imagem positiva de um personagem histórico desprezível por suas sucessivas traições ideológicas. Além do mais, o verdadeiro Laszlo jamais cometeria desatinos por mulheres: ele era homossexual.
Mas tudo isso é o de menos. O T. E. Lawrence que Peter O'Toole viveu tinha também muito pouco a ver com o verdadeiro.
O fato é que o favorito para ganhar o Oscar pode não ter sido o melhor filme do ano mas, caso vença, não haverá grande injustiça. Se não chega a ser revolucionário na forma, se em alguns momentos peca por inverossimilhanças no enredo, se Willem Dafoe está um pouco abaixo da qualidade extraordinária do desempenho de seus colegas de elenco, "O Paciente Inglês" ainda assim é mais do que entretenimento de bom gosto.
Está entre os poucos filmes contemporâneos que discutem questões existenciais sérias com elegância e discrição e deixam no espectador o desejo de pensá-las.

Filme: O Paciente Inglês
Produção: EUA, 1996
Direção: Anthony Minghella
Com: Ralph Fiennes, Kristin Scott Thomas
Quando: pré-estréia hoje e amanhã, às 22h, no Eldorado 5, Morumbi 3 e Lar Center 1

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