São Paulo, sábado, 15 de fevereiro de 1997
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A restauração consentida

MILTON TEMER

Nada melhor para exemplificar a nossa tese do que a trajetória da própria emenda da reeleição. Definida como "reforma" política prioritária na defesa da "estabilidade" monetária, ela transformou o Palácio do Planalto e as salas reservadas dos principais ministérios num balcão de tenebrosas transações.
O poderoso coral dos contentes mobilizou meio mundo -os plutocratas da alta finança, os abonados do vértice da pirâmide social, todos saudados pela subserviente taça de champanhe presidencial, no desejo mútuo de boa sorte para a votação que se desenrolaria poucas horas depois do rega-bofe pago pelos que não frequentam banquetes.
Houve mais: a grande mídia, livradas pouquíssimas exceções; os espertos de sempre, a oposição a favor e até os juristas de plantão da sereníssima República. Nesse cenário, e nos métodos utilizados, ficou reiterado o pacto entre as classes dominantes e o intestino grosso da pequena política.
O que essa gente chama de "reforma", parece claro, saiu fortalecido com o resultado da votação, em primeiro turno, da emenda "mendoncinha". Mas há, como sempre, um xis no problema: nada do que está sendo proposto pelo governo FHC em nome da "aliança do mal" PFL-PSDB merece ser classificado como reforma.
Basta analisar sob a luz da boa teoria política e sem a leniência da tucanagem acadêmica recém-convertida à Nova Ordem. O que está em curso, na realidade, é um brutal e gigantesco processo de restauração do domínio oligárquico no Brasil. É a contra-reforma tupiniquim -a que leva o Brasil à subalternidade absoluta no processo de globalização econômica em curso.
O pacto da restauração oligárquica, com a emenda da reeleição, inaugura uma conjuntura de qualidade estratégica nova. Do presidente da República aos milhares de prefeitos, passando pelos governadores, todos os Executivos são elevados à condição de centro formal da vida política.
E na esteira vem o cortejo de consequências: desmoralização dos parlamentos, fragilização do sistema partidário, azeitamento dos mecanismos de cooptação e intolerância contra todo tipo de organização autônoma da sociedade civil. É o autoritarismo recomposto, sem tanques na rua. De novo tipo, que, pela lavagem cerebral impondo uma forma única e incontestável de pensar, se reproduz como autoritarismo consentido.
A resposta das correntes progressistas e democráticas não pode ser hesitante nem tardar: o contraponto radical -a resistência, pautada na defesa incessante de seus valores humanistas históricos, simultânea à consolidação do projeto utópico alternativo. Um projeto que se implementa a partir de um processo, aí sim, de verdadeiras reformas das arcaicas estruturas políticas, econômicas, sociais e culturais da realidade brasileira.

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