São Paulo, quarta-feira, 19 de fevereiro de 1997
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Crescimento: retomando o debate

ANTÔNIO BARROS DE CASTRO

Cada vez mais se ouve falar na possibilidade de um crescimento rápido da economia brasileira. Os mais ousados vêem no fato e na forma pela qual a reeleição foi aprovada na Câmara a largada do processo. O resto, com maior ou menor atrito, virá por gravidade.
Os guardiões da moeda, cautelosos como sempre, desdobram-se em advertências e ressalvas: estamos longe de consolidar a estabilidade; as reformas estão apenas começando; há que ter persistência, paciência. Tudo, pois, questão de tempo.
O recado é claro. O problema não seria o "como" alcançar e manter o crescimento, e sim, unicamente, o "quando".
Recentemente, porém, um grupo começou a introduzir questões de outra natureza. A mais evidente delas refere-se às contas externas. Seria preciso colocar em marcha uma autêntica política de apoio às exportações. Sem isso, caminharíamos em direção a crescentes problemas de balanço de pagamentos -com o que o crescimento seria inviabilizado.
Ao que consta, um argumento qualitativamente diferente acaba de ser agregado pelo ministro Kandir ("O Globo", 16/2/97): o problema consistiria em que nossas exportações cada vez mais procedem de setores de baixo dinamismo (minério de ferro, suco de laranja), enquanto nossas importações (cada vez mais) se voltam para setores dinâmicos. As dificuldades advindas dessa assimetria ficarão ainda mais evidentes, presume-se, com a enxurrada de importações a ser detonada pela abertura do setor de telecomunicações.
Esta última linha de argumentos não se preocupa apenas em viabilizar quantitativa e genericamente o crescimento. Chega, de fato, ao limiar de uma nova questão: que escolhas singulares e estratégicas levariam a um tipo de crescimento, capaz de engendrar novas oportunidades de crescimento? A expansão da economia é aqui pensada, não como mera ampliação do PIB, e sim como uma rota.
Neste país, e nos últimos anos, a única vez com que me deparei com essa indagação foi no Ceará. A opção estratégica por indústrias leves (confecções, fios e calçados) tendo alcançado inegável êxito, o governo e o empresariado tratavam de definir uma nova estratégia de crescimento.
Saltando para um ambiente socioeconômico radicalmente diverso, cabe acentuar que a rapidez do crescimento no leste asiático está intimamente associada "às dramáticas mudanças (ocorridas) nos bens que eles produzem". A constatação é de Robert Lucas (Economica, março de 1993, pág. 259), antípoda da tradição que enfatiza as mudanças estrategicamente definidas e induzidas por meio de políticas. No que toca às exportações, aliás, a "revolução permanente" a que estiveram submetidas as vendas ao exterior daqueles países é um fato notório. E quanto aos resultados globalmente obtidos, não é demais sintetizá-los numa informação. Os salários pagos aos trabalhadores da indústria coreana se equiparam, presentemente, aos pagos na Inglaterra. É bem verdade que os coreanos trabalham mais horas. Mas também é verdade que a história industrial inglesa tomou dois séculos e meio para chegar ao ponto em que hoje se encontra. No caso da Coréia, bastaram 35 anos.
A incessante implantação de novos setores e técnicas, visando a redução do atraso tecnológico, não é a única forma pela qual o crescimento econômico pode ser sustentavelmente intensificado. A economia brasileira, aliás, tem usado a fundo a incorporação de novas regiões, como mecanismo de impulsão do crescimento. E isso não apenas para crescer mais de 1950 a 1980, como para declinar menos ao longo da década perdida. De fato, a revolução dos cerrados contribuiu significativamente para que algum dinamismo fosse preservado pela economia brasileira, em meio à crise dos anos 80. Daqui por diante, com o cerrado setentrional (oeste da Bahia, sul do Maranhão e do Piauí) ainda praticamente virgem, e o desemprego convertido em grave questão, esse passa a ser um trunfo precioso.
Atenção, porém, existem também formas problemáticas de se acelerar o crescimento. O facilitário, em matéria de crescimento, se chama crédito direto ao consumidor. Nada contra a instituição em si, obviamente útil. Mas, a ser verdade que o montante dessa modalidade de crédito corresponde hoje, no Brasil, a cerca de 3% do PIB, enquanto na Argentina chega a 17% do PIB, o uso dessa poderosa alavanca tem que ser seriamente monitorado. Quando mais não seja, pelas implicações disso em termos de poupança, investimento e, claro, balança de pagamentos.
A discussão do "como" crescer poderia mesmo começar por aí.

Antonio Barros de Castro, 58, professor-titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

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