São Paulo, sábado, 22 de fevereiro de 1997
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Darcy, educação e direito

WALTER CENEVIVA

O derradeiro marco deixado por Darcy Ribeiro, na história legislativa do Brasil, foi sua contribuição para o texto da lei definidora das diretrizes gerais da educação em nosso país, publicada em fins do ano passado. Darcy foi o relator do projeto, no Senado, e, nessa missão, contribuiu, com a força de seu espírito esclarecido, para a redação afinal transformada em lei.
Nessa tarefa, apesar da doença que, esta semana, terminou com sua vida, mostrou interesse em que a necessária interação entre a força da lei e a coletividade atingida, pudesse resultar no aprimoramento social do qual o Brasil mais carece, o de um qualificado processo educacional que atinja eficazmente toda a cidadania.
A educação visada pelo senador Darcy Ribeiro levou em conta -obedecendo, assim, os ditames constitucionais- os agentes ativos mediatos do processo educativo, ou seja, o Estado (responsável pelo ensino gratuito), a família e a sociedade, enquanto principais encarregados de seu cumprimento eficaz.
Levou em conta, ainda, o destinatário do processo, ou seja, o alunado em geral, na busca da igualdade de condições de acesso e permanência na escola, para o contato com os professores, aos quais cabe o papel de agentes imediatos da educação.
É evidente o fosso entre bons projetos legislativos e sua desejável execução. Todavia, na determinação dos direitos e deveres dos agentes mediatos que mencionei, a Constituição requer, como objetivo essencial, o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania, com qualificação para o trabalho.
No mesmo plano da distância entre a lei e as dificuldades de sua aplicação, está um dos temas que mais preocuparam Darcy Ribeiro, relacionado com a valorização dos profissionais do ensino. O professorado brasileiro sofre com a heterogeneidade de condições em que vive, nas diferentes regiões do Brasil, muitas vezes recebendo (quando recebe) salários abaixo do mínimo da dignidade profissional e, ainda assim, obrigados ao cumprimento de tarefas para as quais nem sequer são adequadamente preparados.
O afunilamento, gravosíssimo para a educação e para a cultura, no caminho que vai do primeiro grau até a universidade, envolve a satisfação de requisitos previstos no artigo 208 da Constituição, onde vem definido o modo pelo qual o Estado tem de cumprir seu dever com a educação.
Ensino fundamental gratuito e obrigatório, progressivamente estendido até o nível médio, acesso facilitado aos segmentos mais elevados, inclusive para a pesquisa e para a criação artística, integram as diretrizes da educação, por inspiração constitucional.
No apropriado espírito da autonomia universitária, o sistema seletivo dos vestibulares poderá ser livremente substituído, a partir da lei, por outros procedimentos, desde que garantida igualdade de condição e acesso a todos os candidatos que se apresentarem, sem privilégios ou discriminações, proibidos estes pela Carta Magna.
Darcy, ao longo da vida, como cidadão, antropólogo e homem político, revelou constante preocupação com uma das vigas mestras da educação, em termos nacionais, voltada para o que a Carta de 1988 denomina a promoção humanística, científica e tecnológica do país. Com aguda sensibilidade percebeu claramente a importância de tal promoção que merece a perenidade de nossa lembrança.

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