São Paulo, sábado, 22 de fevereiro de 1997
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Mostra termina marcada por má qualidade

LEON CAKOFF
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O 47º Festival de Berlim acaba nesta segunda, dia 24, com a maior concentração de filmes ruins em competição, mas será lembrado pela presença de divas como Lauren Bacall, Catherine Deneuve e Kim Novak.
O piores momentos da competição apontam para o tombo do filósofo francês Bernard-Henri Levy -que estréia em Berlim o seu primeiro longa de ficção-, a presença do vice-presidente Marco Maciel na mais mal organizada festa do cinema brasileiro em Berlim e "The River", um filme de Taiwan com todos os ingredientes para levar um dos prêmios do festival.
O melhor do 47º Festival de Berlim é que ele está sendo positivo para o cinema brasileiro, celebrado aqui como um renascimento. A ver a reação de outros diretores de festivais internacionais, não faltarão mais filmes brasileiros em suas programações.
Só "Crede+Mi", por exemplo, de Bia Lessa e Dany Roland, recebeu em Berlim convites para os festivais de San Francisco, Jerusalém, Sydney, Boston, Shangai e Londres. E mais um convite para a dupla rodar um documentário alemão na África.
O desconforto em Berlim é que apenas os cineastas brasileiros foram convidados. Mais ninguém do festival, o que foi um desperdício de mídia internacional.
Bernard-Henri Levy, que já foi moda no circuito do caviar, para que não houvesse dúvidas sobre a sua erudição, aplicou o velho golpe francês da verborragia nos dois documentários interessantes que até hoje fez na Bósnia.
O filósofo da vertente turismo-existencial estreou em Berlim em longa de ficção. Uma péssima idéia, um exercício caprichoso de poder, um ato falho constrangedor chamado "Le Jour et la Nuit" (O Dia e a Noite), visto em competição sob estrondosa vaia. O mais incrível é que Levy usou recursos do cinema popular sem saber como conduzir o delírio cinematográfico.
Levy, o péssimo narrador, e seu filme merecem um tratado antropológico sobre o fascínio do poder E não das imagens.
Usou o seu novo poder para fazer turismo na costa pacífica do México com todos os requintes perdulários de uma superprodução inútil: tomadas aéreas, vôos de balões, iates e mordomias imaginárias com o dinheiro do contribuinte europeu.
Mais constrangedor ainda é ter em cena nada menos do que Lauren Bacall, uma diva irretorquível do passado, sujeitando-se aos caprichos indefensáveis do filme. Alain Delon aparece como um escritor frustrado que não consegue mais produzir. Quem irá salvá-lo será a nudez sedutora -e igualmente constrangedora- de Ariell Dombasle, a mulher do filósofo-cineasta na vida real.
Num péssimo exemplo para os adeptos da razão, Bernard-Henri apela para o manjado recurso da morte para o seu personagem que explode no ar como balão. Um final inglório para o escritor que alçava vôo tão alto.
"The River" (O Rio), de Tsai Ming-Liang, é um tratado completo sobre diálogos inexistentes. A falta de comunicação entre três familiares adultos que dividem um mesmo apartamento em Taiwan é capaz de quebrar a monotonia depois de um fato banal. O pai é gay, a mãe ascensorista em restaurante popular e o filho, um desocupado mortal. A besta do apocalipse se liberta das águas fétidas do rio que cruza Taipei.
No começo do filme vemos um cineasta tentando filmar um corpo que bóia no rio. A veracidade da cena só satisfaz quando o manequim é trocado por um extra real. O rapaz sente dor muscular no pescoço pouco depois da filmagem. Começa a peregrinação por massagistas, acupuntura, magos de ervas, farmácias e outros paliativos.
A mãe empresta seu vibrador para aliviar as dores do filho sofredor. O pai está ocupado com um vazamento de água no seu quarto e em fazer programas com rapazes em saunas. A mãe tem um amante que pirateia vídeos eróticos. Ninguém suspeita que as dores podem vir da leptospirose. Ninguém sabe que a vítima mergulhou no rio contaminado. Ninguém se conhece direito ou se fala. O filme é composto por longas tomadas que exploram o absurdo dos silêncios forçados.
Destaques
O 47º Festival de Berlim teve outros momentos memoráveis. Entre os outros filmes da competição e as homenagens especiais, destaque para "O Que É Isso, Companheiro?", que foi logo batizado como "terrorismo bossa nova".
Em contrapartida, o francês "Lucie Aubrac", do bom narrador de histórias Claude Berri, sobre a resistência em Lyon durante o nazismo, virou "terrorismo Chanel" pelo desfile sempre vaporoso e insinuante da sua atriz Carole Bouquet, símbolo oficial dos perfumes Chanel.
"Secretos del Corazón", de Montxo Barrios, foi à Espanha franquista para revelar com ternura a descoberta da sexualidade por um menino de nove anos.
"Um Corpo que Cai", em cópia nova de 70mm e som remasterizado, foi um dos momentos sublimes do festival, mais as presenças de Kim Novak pelo único filme que rodou com Alfred Hitchcock, e a filha do cineasta, Patricia Hitchcock.
O festival encerra as suas homenagens com a exibição de uma cópia restaurada e orquestra ao vivo de "A Caixa de Pandora", rodado por G. W. Pabst com a divina Louise Brooks no ano de 1928.

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