São Paulo, domingo, 23 de fevereiro de 1997
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Saiba tudo sobre as operações com títulos públicos

CPI
. A CPI (comissão parlamentar de inquérito) foi criada em 26/11/96 para investigar irregularidades na emissão e na negociação de títulos públicos estaduais e municipais, entre 95 e 96
. Também é apurado o uso indevido do dinheiro obtido com os títulos para pagar sentenças judiciais (os chamados precatórios)
. Foi revelado um esquema envolvendo bancos, corretoras e empresas "laranjas". Também foram apuradas irregularidades nos governos estaduais e municipais
. Em oito semanas de trabalho, já foram ouvidas 14 pessoas

- Os senadores da CPI (principais personagens)
. Roberto Requião (PMDB-PR), relator
Prioriza as investigações no sistema financeiro e nos funcionários do segundo escalão de Estados e municípios
. Vilson Kleinubing (PFL-SC)
Suas denúncias sobre as emissões de SC deram origem à CPI
. Esperidião Amin (PPB-SC)
Defende os interesses da Prefeitura de São Paulo. É do mesmo partido do ex-prefeito Paulo Maluf
. Gilberto Miranda (PFL-AM)
Ex-presidente da Comissão de Assuntos Econômicos, é suspeito de ter pressionado o BC para aprovar a emissão solicitada pela Prefeitura de São Paulo

- Principais depoimentos
Principais depoimentos
Ibrahim Borges Filho, dono da IBF Factoring
Revelou que os lucros irregulares obtidos com as operações de compra e venda de títulos públicos eram ilegalmente enviados ao exterior por meio de doleiros. Os dólares retornaram ao país para pagar comissões nos Estados, municípios e sistema financeiro

Wagner Baptista Ramos, coordenador da Dívida Pública do município de São Paulo
Recebeu R$ 150 mil como consultor da corretora Perfil, que opera com os títulos paulistanos. Como funcionário da prefeitura, disse ter prestado assessoria a outras prefeituras e Estados. É suspeito de ser o criador de um modelo padrão que deu origem aos processos solicitando autorização do Senado para a emissão de títulos

Banco Central
- Abastece a CPI com documentos e realizou na última quinta-feira a apreensão de registros de operações em quatro corretoras. Na sexta-feira, decretou a liquidação de 15 instituições financeiras

Personagens do BC:
- Gustavo Loyola, presidente: tem mantido contato com os senadores da CPI e facilitado o envio de documentos para a análise da comissão. Procura evitar que o BC seja criticado pelo relatório final do senador Roberto Requião
- Cláudio Mauch, diretor de Fiscalização: é quem coordena as investigações sobre irregularidades cometidas no mercado financeiro com títulos públicos estaduais e municipais. Já depôs na CPI e procurou responsabilizar o Senado por aprovar pedidos com documentação incorreta e incompleta
- Alkimar Moura, diretor de Normas: como diretor de Política Monetária, era o responsável pelos pareceres do BC a respeito dos pedidos de emissão solicitados por Estados e municípios. É acusado pela CPI de ter sido negligente na análise desses pedidos

R$ 6 bilhões é o prejuízo estimado aos cofres públicos causado pelas irregularidades
R$ 600 milhões teriam sido embolsados pelos participantes do esquema

Os personagens investigados pela CPI e pelo BC
- As prefeituras e os Estados
Prefeituras e Estados emitem títulos (uma espécie de nota promissória) para fazer caixa e pagar dívidas judiciais (de desapropriações, por exemplo). As dívidas são os chamados precatórios
As investigações apuram dois tipos de fraudes:
1) prefeituras e Estados que emitiram mais títulos do que o valor dos precatórios a pagar;
2) E bancos e corretoras que tiveram lucros exorbitantes na venda desses títulos no mercado financeiro para prefeituras e Estados.

- As corretoras
As corretoras ganhavam dinheiro no negócio comprando os títulos em leilões (única forma de os títulos serem colocados no mercado). Elas compravam os papéis com descontos muito maiores do que o normal. De posse dos títulos, as corretoras os revendiam a preços cada vez mais altos no mercado. Ganhavam muito dinheiro no negócio -já que compravam por R$ 10, por exemplo, e revendiam por R$ 20.
A base da desconfiança da CPI e do BC é uma só: por que as prefeituras e Estados venderam seus papéis a preços tão baixos para as corretoras, que ganharam muito dinheiro com a sua revenda.

- Os "Laranjas"
Para esconder os lucros exorbitantes que tinham com os negócios, as corretoras usavam endereços, contas e registros de empresas "laranjas". "Laranjas" são empresas que não têm a menor condição de mexer com o volume de dinheiro que movimentam. São empresas de fachada.
Os "laranjas" eram usados apenas para acobertar os negócios ilícitos das corretoras -e dos Estados e prefeituras.
Nessas operações, os "laranjas" ganhavam de 0,2% a 0,3% do total do dinheiro movimentado pelas corretoras.

- O dinheiro
O dinheiro sumiu. Ninguém sabe, ainda, onde ele está e para o bolso de quem foi. Desconfia-se de que foi parar no exterior. Como? Por enquanto, há apenas uma hipótese: doleiros recebiam cheques das empresas "laranjas" e mandavam o dinheiro para fora do país, fazendo depósitos em contas de residentes no exterior. Mais tarde, o dinheiro poderia voltar ao Brasil "lavado".

O que foi levantado até agora
. Pitta: O BC e a CPI acreditam que o ex-secretário das Finanças de SP, Celso Pitta, sabia das irregularidades. Há um relatório do BC que confirma essa suspeita. Diz que o atual prefeito de SP agiu de "má-fé" e que autorizou negócios que geraram "prejuízos exorbitantes" e lucros "absurdos" para corretoras.
Até agora, Pitta nega. Diz que as operações foram normais e já se prontificou a ir à CPI contar sua versão
. Wagner Ramos: é coordenador da Dívida Pública de São Paulo e é chamado pelo relator da CPI, Roberto Requião, de mentor da "sacanagem".
Ramos chegou até a trabalhar em uma corretora, a Perfil, para vender títulos do Estado de Pernambuco. Ganhou R$ 150 mil pelo serviço. Na sexta-feira, Ramos pediu afastamento do cargo alegando "motivos de saúde". Pitta concordou.
. Em Alagoas, já se sabe que só foi possível emitir títulos com a apresentação, pelo governo, de documentos falsos. E o dinheiro, que era para pagar dívidas judiciais, pagou débitos com bancos e empreiteiras

. Na quinta-feira, após o depoimento de Ibrahim Borges Filho, dono da empresa "laranja" IBF, o Banco Central apreendeu documentos de quatro corretoras paulistas e de um banco carioca. Ibrahim contou que recebeu R$ 210 mil dessas corretoras para virar um "laranja"
. No dia seguinte, o BC voltou à carga: as cinco instituições que operaram com Ibrahim, além de outras dez, foram liquidadas. Todas acusadas de irregularidades nas negociações com títulos públicos
Todos os seus documentos estão agora com o BC, que vai investigar mais profundamente a atuação delas no esquema dos títulos públicos
. Quase nada aconteceu aos "laranjas" até agora. O "laranja" Ibrahim Borges Filho está sob proteção da Polícia Federal desde seu depoimento à CPI, na noite de quarta-feira
. Os demais serão investigados pela Polícia Federal e Receita Federal para que revelem as ramificações que tiveram com as corretoras e para onde foi o dinheiro que passou por eles
. Na sexta-feira, a CPI divulgou uma lista de 18 nomes de pessoas e empresas que teriam recebido R$ 64 milhões em cheques dos "laranjas"
O dinheiro não é dos "laranjas", só passou por eles. Foi levantado, de fato, nos negócios dos títulos
Saiu dos cofres públicos e foi parar ainda não se sabe onde
E é examente isso o que a CPI e o Banco Central querem saber

Veja como é feita uma operação real de "lavagem" de dinheiro
Documentos obtidos pela Folha mostram como a corretora Negocial, liquidada pelo BC na sexta, usou um "laranja"

1- A distribuidora de valores e títulos Negocial fazia contratos de investimento com pequenas empresas de vários setores
. As empresas não tinham capital nem porte para fazer aplicações sofisticadas no mercado financeiro (como "hedge" em moeda estrangeira), que normalmente são feitas apenas por grandes investidores

. A Folha teve acesso a um desses contratos, pelo qual uma empresa teria investido US$ 205 milhões em contratos futuros de taxa de câmbio

. Tanto a Negocial como a empresa eram correntistas da agência paulista do Beron (Banco de Rondônia). O ex-gerente da agência João Maury Harger Filho seria o elo de ligação entre as duas pontas

. O investimento não se realizava porque, antes da data prevista no contrato, a Negocial rompia o acordo e pagava a multa prevista

2 - No caso do contrato obtido pela Folha, a multa foi de R$ 1.900.000,00
. O valor da multa era depositado por meio de vários cheques na conta da empresa no Beron. Extrato da conta da empresa no Beron obtido pela Folha comprova depósitos e retiradas

3 - No mesmo dia em que a quantia era depositada, saía da conta. É possível observar no extrato da conta vários cheques com numeração sequencial
. Segundo a Folha apurou, a maioria dos depósitos era feita na conta de "laranjas" (pessoas que recebem e repassam o dinheiro em troca de comissão ou que são usadas sem saber) em agências de grandes bancos

. Várias dessas agências ficam na fronteira do país. Há também depósitos no exterior

. A operação fez desaparecer dinheiro, possivelmente, para reduzir o pagamento de Imposto de Renda e para fazer "caixa dois"

. As empresas que participavam do esquema da Negocial no Beron ganhavam comissão de 0,2% sobre o valor de cada operação

Veja o caminho percorrido pelo dinheiro
. Entre julho de 94 e março de 96, a empresa movimentou R$ 13 milhões por meio da agência paulista do Beron

. Aproximadamente 90% do dinheiro tinha como origem a distribuidora Negocial, que depositava as somas com cheques dos bancos: Paulista, Itaú, Unibanco, Bamerindus, BCN, Banestado, Banespa, Rural, entre outros

. O dinheiro saiu da conta da empresa no Beron para contas de pessoas físicas e empresas nos sequintes bancos: Bradesco, Sistema, Safra, Banespa, Sofisa, Cidade Real, Bamerindus, Paraná, BIC, Liberal, Boa Vista, Paulista, Nacional, Bemge, América do Sul, Econômico, Clássico e Noroeste

4 - Um dos cheques, de R$ 1.276.500,00 foi recebido por Saturnino Ramirez Zarati no Paraná Banco. Zarati não foi localizado pela Folha no Paraná, Rio e São Paulo e é, provavelmente, um "laranja" encobrindo outra pessoa

O que a CPI investiga e onde
- Pernambuco
Pagou R$ 20 milhões ao Banco Vetor pela aprovação do pedido de emissão de títulos junto ao Senado e mais R$ 20 milhões à IBF Factoring pela colocação dos papéis no mercado. A CPI suspeita que esse dinheiro só poderia ser usado para pagar precatórios, caracterizando desvio de finalidade dos recursos obtidos com as emissões
Valor da emissão
R$ 480 milhões

- Alagoas
Teria falsificado documentos para solicitar uma emissão de R$ 301 milhões. A lista dos precatórios pendentes também foi forjada, segundo denúncia do próprio Tribunal de Justiça do Estado. Pagou R$ 14 milhões ao Banco Divisa para atuar como lobista do Estado junto ao BC e ao Senado
Valor da emissão
R$ 301 milhões

- São Paulo
Capital
Entre dezembro de 1994 e abril de 1996, as operações com títulos paulistanos provocaram um prejuízo de R$ 10,390 milhões ao Tesouro municipal. O coordenador da Dívida Pública do município, Wagner Baptista Ramos, trabalha como consultor para a corretora Perfil, uma das empresas que negociaram os títulos. Houve desvio de finalidade nos recursos obtidos para pagar precatórios
Valor do prejuízo
R$ 10,39 milhões

Osasco
Investigações da CPI sobre emissão são incipientes
Valor da emissão
R$ 69,273 milhões

Guarulhos
Apresentou documentos incompletos e incorretos ao Banco Central para solicitar a emissão de R$ 15 milhões em títulos municipais. Mesmo assim, obteve a aprovação do Senado
Valor da emissão
R$ 15 milhões

- Santa Catarina
Também teria falsificado documentos para solicitar uma emissão de mais de R$ 605 milhões em títulos destinados ao pagamento de precatórios. Gastou R$ 58 milhões desse total para pagar comissões ao Banco Vetor e à IBF Factoring. A lista dos precatórios não é reconhecida pelo Tribunal de Justiça do Estado
Valor da emissão
R$ 605 milhões

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