São Paulo, domingo, 23 de fevereiro de 1997 |
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Senado foi pivô da liberação de precatórios
GILSON SCHWARTZ
Quando um indivíduo vai ao banco pedir um empréstimo ou quando abre um crediário numa loja, o banqueiro ou o lojista procuram saber se o devedor terá condições de honrar o compromisso. Pede-se um comprovante de renda, de endereço, referências, garantias. Em alguns tipos de dívida, como o penhor, o devedor pode deixar um objeto de valor em garantia (uma jóia, por exemplo). Se o devedor não pagar, há várias formas de bloquear seu acesso a mais crédito. O mau pagador fica registrado (por exemplo, num sistema como o Telecheque) e a partir daí nem consegue mais pagar suas compras com cheques. Talvez a principal diferença entre a dívida de uma pessoa (ou mesmo de uma empresa) e a dívida dos governos esteja aí. O indivíduo e a empresa enfrentam barreiras muito maiores ao endividamento excessivo. Já os governos (federal, estadual ou municipal) não apenas conseguem contornar os limites ao endividamento como, cotidianamente, conseguem endividar-se mais para pagar a dívida antiga. Precatórios Toda a ciranda dos "precatórios" (dívidas de governos estaduais e municipais cujo pagamento, por decisão judicial irrecorrível, não pode mais ser adiado) tem origem nessa capacidade que os governos têm de endividar-se recorrentemente. Muita gente pergunta (e os economistas fazem modelos a respeito): não há limite para essa capacidade de endividamento público permanente? Há. Basta lembrar do Plano Collor, que na prática era uma manobra para interromper a rolagem cotidiana de uma dívida que crescia astronomicamente. Dança das cadeiras Mas enquanto esse limite não chega, o mercado funciona como a velha dança das cadeiras das festas infantis. Os operadores sabem que há um risco, mas apostam que se a música parar estarão bem sentados. E enquanto estão na roda, servindo como intermediários, procuram comprar por menos e vender por mais, fazendo lucros mesmo quando o devedor não é dos mais sólidos. Já o devedor (uma prefeitura, por exemplo), que precisa se endividar mais, estará disposto até mesmo a ter algum prejuízo se isso servir para "dar liquidez" ao mercado onde seus papagaios circulam. Evitar que a dívida vire "mico" às vezes é tão importante que o prejuízo (vender por menos e comprar por mais) é necessário. Essa, aliás, é aparentemente a principal justificativa do atual prefeito, Celso Pitta, para os prejuízos que a Prefeitura de São Paulo teve na negociação de sua dívida. Jeitinho O artigo 33 das disposições transitórias da Constituição de 1988 diz que "ressalvados os créditos de natureza alimentar, o valor dos precatórios judiciais pendentes de pagamento na data da promulgação da Constituição, incluído o remanescente de juros e correção monetária, poderá ser pago em moeda corrente, com atualização, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de oito anos, a partir de 1º de junho de 1989, por decisão editada pelo Poder Executivo até 180 dias da promulgação da Constituição". E, no seu parágrafo único, continua: "Poderão as entidades devedoras, para o cumprimento do disposto deste artigo, emitir, em cada ano, no exato montante do dispêndio, títulos de dívida pública não computáveis para efeito do limite global do endividamento". Ou seja, a Constituição encontrou um "jeitinho" de permitir a Estados e municípios mais endividamento para pagar uma dívida (os "precatórios") que, a rigor, é inadiável. Congresso Em março de 1993, o Diário Oficial publicava uma emenda constitucional que limitava até 31 de dezembro de 1999 a emissão de títulos da dívida pública de Estados e municípios ao montante necessário para refinanciar suas dívidas. Ou seja, apertava o cerco à capacidade de endividamento. E fazia uma ressalva: a emissão de dívida para o pagamento dos precatórios. A partir de 1994, entretanto, o Senado começa a flexibilizar a própria definição dos precatórios para efeito de emissão de dívida. Por exemplo: admite-se um endividamento maior para pagar não apenas precatórios, mas ações de cobrança que ainda não tenham sido julgadas em última instância. Fontes e usos Quando se discute uma operação financeira, um balanço de empresa, por exemplo, é importante entender as "fontes e usos". Ou seja, de onde vêm os recursos e para onde são transferidos. A "flexibilização" armada no Congresso dá um "jeitinho" dos governos estaduais e municipais conseguirem emitir mais dívida. Outra questão é se, de fato, o dinheiro levantado com a emissão dos papagaios foi usado para pagar precatórios, seja qual for a sua definição. Para alguns secretários de Finanças, é ilegítimo entrar nessa questão. Citam pareceres de Tribunais de Contas atestando que Estados e municípios têm "autonomia financeira" e, portanto, podem colocar no seu caixa os recursos obtidos em nome dos precatórios, mesmo que estejam com os pagamentos em dia. O dinheiro não é "carimbado". Para os mais cuidadosos, entretanto, é exatamente aí que aparece a brecha para levantar dinheiro para obras, campanhas eleitorais, pagamento de funcionalismo etc. Esquemas Finalmente, a ciranda dos precatórios tem um componente de "esquema" ou "armação". Em São Paulo, por exemplo, durante muito tempo e para muitos secretários de Finanças o caminho mais natural sempre foi entregar ao Banespa a responsabilidade por colocar seus papéis no mercado. Mas o atual prefeito de São Paulo, Celso Pitta, quando era secretário de Finanças, teria retirado esse tipo de operação das mãos do Banespa, passando a assumir a responsabilidade direta pela escolha de corretoras, assim como a definição de taxas e condições de negociação. Essa mudança de hábito é que provoca estranheza em muita gente. Texto Anterior: Saiba tudo sobre as operações com títulos públicos Próximo Texto: Perguntas e respostas Índice |
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