São Paulo, domingo, 23 de fevereiro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Abismo econômico cria mundo de milionários e miseráveis

MARCELO DAMATO
DA REPORTAGEM LOCAL

Nos últimos anos, agravou-se o abismo salarial no mundo dos futebolistas brasileiros. Os jogadores de nível de seleção brasileira ganham cada vez mais, enquanto os da base da pirâmide social recebem cada ano menos.
Por um lado, desde 1995, o teto salarial do país cresceu 150%. Por outro, o número de jogadores registrados na CBF com contrato de um salário-mínimo cresceu quase 200% desde 1993.
O zagueiro Alê, que começou a vida profissional no Palmeiras em 1990, e passou por vários times do interior paulista até chegar este ano ao XV de Jaú, da segunda divisão (série A-2), afirma que jogadores de times pequenos estão vendendo bens adquiridos no passado para cobrir despesas do presente.
O presidente do Sindicato dos Atletas Profissionais de São Paulo, Rinaldo Martorelli, diz que centenas de jogadores em todo o Estado estão neste momento com salários atrasados.
Entre os clubes devedores alguns disputam a Série A-1 paulista, o campeonato estadual com melhor situação financeira e de público do país.
Essa situação se repete, ainda com maior gravidade, em outros Estados. Em Roraima, por exemplo, o salário registrado de todos os jogadores é o mínimo -R$ 112,00 (leia texto abaixo).
Um dos motores desse "apartheid" do futebol é a TV. Quem joga nos campeonatos com transmissão ao vivo recebe verbas crescentes das emissoras e dos patrocinadores.
Quem não faz parte dessa elite, vive do voluntarismo de dirigentes. O novo Rio de Janeiro Futebol Clube Ltda., clube-empresa que tem no ex-jogador Zico seu sócio majoritário e presidente, quer ser uma exceção a essa regra (leia nas págs. 4 e 5).
Em meio a essas distorções, consolida-se a figura do chamado "empresário", pessoa física que detém passes de jogadores ou intermedeia as negociações. É um dos poucos a fazer dinheiro no esporte.
Com capital, ao contrário dos clubes, os empresários investem em jovens promessas esperando lucrar com a venda do jogador formado.
Para diminuir o risco da operação, a tendência é criar centros para formar jogadores ou estabelecer convênios com clubes pequenos, como fez o zagueiro Márcio Santos, titular da seleção na Copa do Mundo dos EUA, hoje proprietário da Organização Márcio Santos (leia na pág. 6).
Os problemas do mercado brasileiro fazem aumentar cada vez mais o número de emigrantes da bola. Com a conquista do tetracampeonato mundial de futebol e a transmissão de campeonatos do Brasil para o mundo todo pela TV, aumentou o interesse externo pelos jogadores deste país.
Mas também no exterior, nem todos conseguem ganhos milionários. A maioria dos postos de trabalho implica salário de poucos milhares de dólares e risco de enfrentar problemas culturais (leia na pág. 7).
Mas parte dos 80% de jogadores que ganham até R$ 224,00 por mês, pelo jeito, acha que esse risco vale a pena -e acabam deixando o país.
Em 1996, um número recorde de brasileiros foi jogar no exterior -381. Dos que não conseguem mercado, alguns sobrevivem de bicos, como o baiano Robertinho (leia na pág. 8). Outros mudam-se para o amadorismo, em busca de salários melhores em clubes amadores ou de empresas. Foi o que fez, por exemplo, Reinaldo Xavier, ex-centroavante do Palmeiras, há dois anos (leia na pág. 3).

Texto Anterior: Modelo falido ameaça levar esporte à ruína
Próximo Texto: Salário mínimo é regra em Roraima
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.