São Paulo, domingo, 23 de fevereiro de 1997
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'Abertura ainda vai cortar mais empregos'

MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Mesmo que o governo consiga manter o crescimento da economia entre 4% e 5% ao ano, sem novos freios, mais trabalhadores das indústrias brasileiras vão perder seus empregos por conta da abertura comercial, prevê o assessor especial do Ministério do Trabalho, Jorge Jatobá.
O ministério tenta medir o impacto da abertura no mercado de trabalho brasileiro. A conta pode passar de 1 milhão de empregos.
O número é mais que o triplo do total de postos de trabalho gerados em todo o ano passado nas regiões metropolitanas apontado na mensagem enviada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso ao Congresso Nacional na semana passada.
Desde o início dos anos 90, a abertura comercial impôs uma regra perversa ao mercado de trabalho brasileiro: para se tornarem mais competitivas, as empresas passaram a contratar menos trabalhadores. Um mesmo volume de investimentos passou a gerar menos empregos.
Jatobá calcula que a fase de ajustamento das empresas brasileiras ainda não terminou. Mas insiste em que o pior já passou.
"Não adianta ficar esperneando, criticando a globalização, porque ela está aí", diz o assessor do Ministério do Trabalho.
Ele aposta na reversão da tendência da redução de empregos. Sua receita: mais crescimento.
*
Folha - Qual é o impacto da abertura econômica no mercado de trabalho?
Jorge Jatobá - Tem dois efeitos da abertura sobre o emprego. O primeiro resulta do fato de você estar produzindo menos domesticamente porque está importando. Um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, órgão do Ministério do Planejamento) mostrou que, até 1995, este efeito foi em torno de 500 mil postos de trabalho.
Mas há também outro efeito, que não está convenientemente mesurado, que é o efeito indireto, via produtividade.
Uma vez que a economia está mais aberta, mais competitiva, as empresas investem em novas tecnologias, baixam seus custos, e economizam mão-de-obra. Esse aumento de produtividade tem um efeito adverso sobre o emprego, sobretudo no setor industrial.
Na primeira fase da abertura, de 1990 a 1993, o efeito da produtividade deve ter sido muito forte. Nós perdemos cerca de 2 milhões de postos de trabalho entre 1990 e 1995, a maior parte foi perdida nessa primeira fase do choque da abertura, nos primeiros três anos da década.
Folha - A abertura da economia foi muito rápida?
Jatobá - Eu não diria isso. Eu acho que o Brasil, na verdade, começou a abertura muito tardiamente. O processo de abertura começou, é irreversível, e o que nós temos de fazer agora é perceber que ele tem diferentes efeitos ao longo do tempo. Há efeitos adversos a curto prazo: o desemprego na indústria, a obsolescência ocupacional.
Há também custos sociais na transição de um modelo de substituição de importações para abertura, é lógico, e o Estado tem de estar atento, no sentido de proteger trabalhadores desempregados, ter uma política de reciclagem profissional, aumentar investimento em educação e em tecnologia.
A política inteligente é tirar proveito da globalização econômica. Não adianta ficar esperneando, criticando a globalização, porque ela está aí.
Quem mais ganha com a globalização da economia é o consumidor. Quem mais reclama são os segmentos domésticos que não conseguiram competir. Esse grupo tem voz política.
Folha - Quando é que a tendência de redução de empregos poderá ser revertida?
Jatobá - Não há uma regra de anos. Eu acho que o impacto mais negativo já passou. O ajustamento continua. Vamos ter ainda perda de empregos no setor industrial, que está sendo compensada em outros setores.
Quando olhamos para o mapa do emprego do Brasil hoje, vemos que ele está se interiorizando, está saindo do Sudeste para o Sul, Nordeste e Centro-Oeste.
O setor financeiro também desempregou, mas há outros em expansão. Hoje, a maior parte do emprego e da renda é gerada no setor serviços.
Como a globalização é um processo irreversível, temos de tirar vantagem e minimizar os custos sociais da transição. Com um ciclo de crescimento, nós poderemos compensar as perdas.
Folha - Quanto a economia brasileira tem de crescer para compensar o fechamento dos postos de trabalho provocado pela abertura econômica?
Jatobá - Não há uma estimativa. O que se sabe é que o país pode crescer mais ainda. O fato é que você tem um crescimento da produtividade considerável -na indústria de transformação foi de cerca de 30%, de 1991 a 1995. E, para você obter o mesmo crescimento do emprego, precisa ter um maior crescimento da economia.
No caso brasileiro, a chamada taxa histórica de crescimento está em torno dos 7%. Pode ser menor. O crescimento de forma sustentada mais do que compensaria o fato de um investimento criar menos empregos.
Folha - Um novo freio na economia poderia complicar ainda mais o quadro?
Jatobá - Se a economia estiver saudável, os investimentos externos vão segurar a onda. No início de 1995, a economia estava crescendo em um ritmo superior a que se pudesse sustentar. Foi preciso um tranco. A economia se mantém agora num crescimento lento, mas constante.
Folha - Que taxa de desemprego o sr. consideraria razoável para os próximos anos?
Jatobá - O ideal é que você tenha um desemprego conjuntural, decorrente da retração da atividade econômica, nulo. A taxa em torno de 5% pode ser reduzida, embora não seja preocupante internacionalmente.
Eu acho que o grande mecanismo de ajuste do mercado de trabalho brasileiro não foi o desemprego, foi mais a informalização.
Folha - Na mensagem que enviou ao Congresso na semana passada, o presidente Fernando Henrique Cardoso disse que foram criados 290 mil postos de trabalho no ano passado no país. Antes, o governo anunciou que poderiam ser criados mais de 5 milhões de empregos nesse período. O que aconteceu?
Jatobá - Isso ocorreu basicamente em seis regiões metropolitanas. Certamente o número total é maior. Aqui também devem estar incluídos vários tipos de trabalho: por conta própria, sem carteira, com carteira.
O que nós questionamos é que boa parte desses empregos não são da qualidade desejável, com carteira assinada. Mas ainda é melhor um emprego de baixa qualidade do que o desemprego.
Folha - O que acontece no mercado de trabalho brasileiro não é justamente o crescimento da informalidade, da rotatividade da mão-de-obra?
Jatobá - A informalização é uma característica estrutural do mercado de trabalho brasileiro, que se acentuou de 1990 para cá. É fato que hoje você tem uma maior participação relativa dos trabalhadores sem carteira de trabalho assinada e por conta própria do total dos ocupados.
A análise aí tem de ser diferenciada. Em alguns casos é melhor permanecer no segmento dos trabalhadores por conta própria que no segmento dos assalariados. A renda desse segmento cresceu mais que a dos assalariados.
Eu quero desmistificar a idéia que a informalidade é necessariamente ruim. É claro que o informal é muito heterogêneo. Tem de camelô até o sujeito que trabalha com a Internet (rede mundial de computadores) dentro de casa ligado ao mundo.
A falta de carteira assinada é um outro fenômeno, associado a um problema de custos.
Folha - Se a qualidade do emprego não é boa, como vai a qualidade do trabalhador?
Jatobá - A globalização vai naturalmente exigir maior escolaridade da força de trabalho, que é muito baixa.
Há evidências de que muitas empresas não conseguem mão-de-obra com a qualificação que necessitam. O investimento em educação é fundamental. Todo o sistema converge numa opinião: o problema não é tanto a falta de emprego: os empregos surgem, mas as pessoas não estão preparadas para ocupar esse espaço no mercado de trabalho.
Folha - Falta menos de três meses para o reajuste anual do salário mínimo. O Ministério do Trabalho apóia a adoção de valores diferentes para o mínimo no setor público e no setor privado? Tem uma proposta?
Jatobá - Ainda não. O que eu posso dizer é que, assim que a economia entrar num ritmo sustentado de crescimento, o salário de base, da mão-de-obra não qualificada, vai começar a aumentar.

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