São Paulo, domingo, 23 de fevereiro de 1997
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O investimento na indústria depois do Real

RICARDO BIELSCHOWSKY

Coordenei, juntamente com José Guilherme Almeida dos Reis e Flávio Castelo Branco, a pesquisa divulgada esta semana pela CNI e pela Cepal sobre "Investimentos na indústria brasileira 1995/1999 -características e determinantes".
Posso destacar nove resultados importantes no trabalho, que teve por base um questionário respondido por executivos de 730 grandes empresas industriais (média de 950 empregados).
As cinco boas notícias são:
1) como proporção do PIB, a preços constantes de 1980, as taxas de investimento da indústria a partir do Plano Real estão se recuperando. No triênio 1995-1997, devem estar alcançando entre 3% e 3,5% do PIB, superando as taxas da primeira metade da década de 90. Encontram-se bem abaixo do auge dos anos 70, mas já se igualam às taxas dos anos 80;
2) apesar de relativamente reduzidos em termos de valor, os investimentos dão forte retorno em termos de adição de capacidade produtiva. São investimentos concentrados em reposição de equipamentos, desobstrução de gargalos e redução de custos. Ou seja, a fase parece estar permitindo "rendimentos crescentes" ou aumentos na "produtividade do capital";
3) ainda que de forma algo tímida em termos de valor, insinua-se para o futuro um crescimento da importância de "expansão de plantas", "novas plantas" e "novos produtos" no total de investimentos, apontando para a possibilidade de uma fase mais robusta de investimentos;
4) a estratégia das empresas inclui claro propósito de elevar significativamente o coeficiente de exportações. Não se trata de exportação de excedentes, mas de maior colocação de produtos no exterior como parte da estratégia expansiva.
O fato de que o potencial de ampliação de exportações é grande complementa a informação de que a capacidade produtiva estaria sofrendo uma ampliação não desprezível. Ou seja, nem o "potencial" de produção doméstica competitiva com importações nem o "potencial" exportador encontram-se estagnados;
5) há indicações no sentido de uma descentralização espacial dos investimentos, sugerindo uma tendência a uma nova geografia econômica no que se refere à localização da indústria manufatureira.
As duas notas de cautela são:
6) os investimentos estão sendo programados tendo como horizonte temporal prazos relativamente curtos. A fase atual parece corresponder a um "miniciclo de modernizações", e, como tal, seu fôlego seria intrinsecamente reduzido, visto não ser possível prosseguir por muito tempo extraindo rendimentos elevados de investimentos relativamente reduzidos;
Assim, seria a "fase fácil", inaugural, de um eventual ciclo de investimentos de longo prazo, cujo delineamento não estaria claro, segundo percepção e programação das empresas.
Para confirmar-se esse novo ciclo, podem ser necessárias mudanças nos estímulos que o setor industrial vem recebendo do quadro macroeconômico, mais além da estabilização introduzida pelo Real. Entre elas, destacam-se sinais de segurança com relação à continuidade do crescimento e ajustes nas taxas de juros e de câmbio.
7) o grau de internacionalização da indústria deverá crescer não só pelo lado das exportações, mas também pelo das importações, cujo coeficiente vem subindo rapidamente, mas ainda está aquém do nível previsto para os próximos anos.
A comparação entre os aumentos previstos nos coeficientes de exportação e de importação não permite conclusões no que se refere à balança comercial pelo menos por duas razões.
Primeiro porque, se há poucas dúvidas de que, mantendo-se o incentivo atual da taxa de câmbio, as empresas confirmarão a previsão de aumento do coeficiente importado, pelo lado das exportações nada mais há que um "potencial" de elevação do coeficiente.
Segundo porque, enquanto as empresas industriais são, necessariamente, agentes envolvidos nas exportações dos produtos industriais que o Brasil exporta, elas só são importadores de parte dos produtos industriais que o Brasil importa, já que o restante chega aos demais setores produtivos e aos consumidores diretamente, pelos diversos canais de comercialização.
No âmbito da discussão da balança comercial, o documento CNI/Cepal dá lugar a três outras advertências:
a) o principal determinante dos investimentos no Brasil continua sendo a expansão do mercado interno, e o aumento do coeficiente de exportação depende da realização de investimentos cuja atração principal é o mercado doméstico;
Ou seja, para exportar mais é necessário sinalizar claramente com crescimento do mercado interno, de modo a garantir os investimentos que viabilizem as exportações e evitem um excesso de importações. Isso quer dizer também que é possível que as chances de a corrida entre importações e exportações ser ganha pelas últimas sejam maiores num contexto de forte crescimento do que numa economia estagnada ou com taxas de crescimento baixas.
b) a capacidade de dinamizar as exportações para que se expandam mais do que as importações aumenta se houver ênfase e agilidade numa política de incentivos às exportações. Essa política terá de ser tanto mais intensa quanto menos a taxa de câmbio vier a ser desvalorizada em termos reais;
c) mantida a atual taxa de câmbio, a entrada num ciclo de investimento industrial de longo prazo compatível com o equilíbrio externo pode ser prejudicada se o aumento da produtividade industrial não for suficientemente alto para compensar a perda de rentabilidade devida à apreciação cambial.
Por fim, dois resultados confirmam tendências adversas:
8) a indústria parece ser pouco capaz de gerar diretamente expansão de postos de trabalho na etapa em que se encontra, porque os investimentos deverão conduzir majoritariamente a uma elevação da produtividade do trabalho.
É possível que estejam coincidindo os efeitos sobre absorção de mão-de-obra do processo de racionalização iniciada há anos com os da modernização baseada em equipamentos intensivos em automação;
9) só uma pequena parcela das empresas declara que pretende aumentar significativamente os gastos com capacitação de pessoal, pesquisa e desenvolvimento e importação de tecnologia. Ou seja, à exceção dos investimentos fixos em modernização, os esforços tecnológicos que requerem aumentos de gastos parecem estar sendo bastante limitados, envolvendo elevações "marginais".
As empresas parecem contentar-se com os amplos aumentos de eficiência e produtividade que estariam resultando da racionalização recentemente empreendida e do "miniciclo" de investimentos em modernização que estaria em curso.
Isso soma-se, pelo lado das tendências negativas, ao conhecido fato de que os setores de maior intensidade tecnológica, "difusores de progresso técnico" (eletrônica, mecânica, química fina etc.), têm tido desempenho insuficiente no processo de investimento atual, apontando para piora na composição do parque manufatureiro nacional em termos de grau de sofisticação tecnológica.

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