São Paulo, domingo, 23 de fevereiro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Governo japonês faz jogo imobiliário

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

São comuns os casos de atuação do governo na economia. Interferindo em mercados cambiais, alterando impostos sobre a produção local ou sobre produtos importados, transferindo recursos para instituições em dificuldades (financeiras ou não), mudando regras salariais, a lista é longa. Mas o Japão, na semana passada, deu uma demonstração de intervenção, digamos, curiosa. Poderia ser definida como "intervenção imobiliária".
Na última quinta-feira o dólar registrou a sua maior queda num só dia em relação ao iene desde setembro de 1995. É verdade que a alta da moeda norte-americana estava exagerada e alguma correção parecia inevitável.
Mas o estopim da mudança de humor, em Tóquio, foi o anúncio de um pacote governamental que se resume à compra de imóveis de propriedade dos bancos. Se o governo entrar com força comprando imóveis dos bancos, estes poderão ser mais solidários com as combalidas empresas japonesas. Isso ajudaria na retomada do crescimento. E o crescimento maior fortaleceria o iene. Antecipando essa sequência virtual, os mercados colocaram um freio à valorização do dólar.
Se o cenário de recuperação econômica japonesa "pegar", mais investidores estrangeiros estarão dispostos a entrar na Bolsa de Tóquio. Para fazerem isso, precisarão comprar ienes. Ou seja, mais um fator de potencial valorização da moeda japonesa.
Comenta-se ainda que o G-7, grupo que reúne as maiores nações industrializadas do planeta, provavelmente não desejaria ver o dólar valendo mais que 125 ienes.
Solidariedade
Mas ainda falta muito para que esses elos econômicos virtuais de fato se tornem reais e virtuosos. Sempre se identificou como importante causa do milagre japonês uma espécie de solidariedade ou "consenso". Na última década, o modelo entrou em crise também porque foram destruídas algumas das bases dessa integração econômica e social.
Numa primeira fase, o iene passou a valer mais em relação ao dólar. Para muitas empresas japonesas, ficou mais barato produzir fora do Japão (o iene forte servia para investir com custos menores em outros países, na Ásia, na Europa e nos EUA).
Ao mesmo tempo, nesse período ocorreu a famosa globalização financeira. Ou seja, surgiram formas novas de financiamento às empresas, que podiam captar recursos nos mercados internacionais.
Mas a tal solidariedade apoiava-se numa relação de cooperação entre empresas (grandes e pequenas) e grandes bancos.
A internacionalização da economia japonesa, impulsionada pelo iene forte, quebrou esses laços. A indústria japonesa produzindo no exterior deixa muitas pequenas e médias empresas "órfãs". E o acesso aos mercados internacionais de capitais enfraquece as relações entre grandes empresas e grandes bancos.
A pergunta agora é: o "jogo imobiliário" do governo japonês será suficiente para, além de ajudar os bancos, injetar dinamismo e restaurar esses laços de solidariedade econômica?
Para o primeiro-ministro Ryutaro Hashimoto essa é uma questão de vida ou morte. Afinal, toda crise econômica e social é, também, política.

Texto Anterior: O investimento na indústria depois do Real
Próximo Texto: Governo do Brasil é contra aumento de juros do BID
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.