São Paulo, domingo, 23 de fevereiro de 1997
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O risco do autoritarismo

LUÍS NASSIF

Não há mais oposição partidária no Brasil.
A esquerda patina, num processo autofágico, no qual crucifica suas lideranças mais promissoras -como Tarso Genro.
A direita desistiu de lutar pela presidência. As melhores cabeças do PPB tentam convencer Paulo Maluf a se candidatar ao governo de São Paulo, e esquecer a presidência.
Há uma vantagem e um perigo nesse quadro.
A vantagem é que o atual bloco de poder pode viabilizar as reformas. O risco é o excesso de poder, trazendo a tentação da perpetuidade, e desmoralizando as formas democráticas de fazer oposição.
Tome-se o caso das esquerdas.
Há alas da esquerda com projetos objetivos para o país, seja na visão política de Tarso Genro e José Genoíno; ou na visão gerencial e de planejamento de Jaime Lerner e sua equipe.
Mas não conseguem impô-los sequer a seus pares. Os principais porta-vozes da esquerda -casos do respeitado cardeal Paulo Evaristo Arns e de Vicentinho- ainda possuem visão bastante primitiva de formas de atuação política.
Vicentinho tentou inovar. Dom Paulo, e a Igreja Católica, nem isso. Abraçaram a bandeira dos direitos humanos, que lhes conferiu -com justiça- a gratidão de todos os democratas. Mas não lhes peça para avançar além das primeiras letras da Teologia da Libertação.
A consequência é o abandono do jogo democrático e o fortalecimento de formas toscas de atuação política, como é o caso da defesa das invasões de terras propostas pelo Movimento dos Sem Terra (MST).
A maior liderança de esquerda, hoje em dia, é José Rainha, quase um tatibitate político.
Sem oposição Não adianta o presidente insistir que se vive em ambiente democrático, e que, portanto, toda forma de pressão deva se manifestar por meio dos canais institucionais.
A questão é que a esquerda não consegue, não sabe elaborar um projeto mais sofisticado, que lhe dê espaço nesse jogo. E a direita sucumbiu ante o fisiologismo que permitiu ao governo consolidar a aliança com o PFL.
O atual bloco de poder que sustenta o governo Fernando Henrique Cardoso, de certo modo repete o nascimento da República no país.
Primeiro, a luta contra o arbítrio. Depois, o período de desacertos, com disputas políticas pesadas. Finalmente, o fim das disputas por meio de um pacto oligárquico, que divide o butim, e substitui a ditadura centralizadora pelos feudos oligárquicos.
Pode-se garantir a modernização; mas pode-se perpetuar o atraso.
Esperanças e cuidados Há esperanças de que o passado não se repita. O Brasil de 1997 tem opinião pública, classe média hegemônica, imprensa livre e poderes independentes. O Brasil de 1900 era uma economia rural. Fernando Henrique Cardoso não é Arthur Bernardes.
O presidente tem a faca e o queijo para tornar sua caminhada facílima. Se permite a aprovação da reeleição para prefeitos, garante a sobrevida às oligarquias do Norte e Nordeste, que caminhavam para o fim. Se permite o nascimento de outros Estados no Norte, sem mudar a composição do Congresso, irá consolidar a representação mais suscetível a práticas de cooptação. Se quiser, coloca a voz rouca das ruas a buzinar e consegue desmoralizar o Supremo Tribunal Federal (STF).
Garantirá a perpetuidade no poder; mas não a construção de um grande país. Está na hora de se avaliar seriamente a implicação desse excesso de poder.

Email: lnassif@uol.com.br

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