São Paulo, domingo, 23 de fevereiro de 1997
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Crônica da vertigem

BIA ABRAMO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Já disseram por aí que Hanif Kureishi é um escritor pop. É, de fato. Só que isso não significa que Kureishi apropria-se de nomes de discos, filmes etc. do universo pop para bordar seu texto com citações aleatórias, recurso largamente utilizado por uma certa literatura "jovem" (ou que assim se pretende, o que dá na mesma) para fisgar um leitor menos afeito aos livros.
Assim como seus personagens, o escritor inglês de origem paquistanesa equilibra-se numa zona mestiça entre a cultura pop (a música, o cinema, os comportamentos, a moda, as drogas) e a literatura. Não porque não consiga se decidir entre uma ou outra, mas sim porque, para Kureishi, uma impregna definitivamente a outra.
"O Álbum Negro", seu segundo romance, é uma crônica nervosa, urgente, de uma Londres também mestiça, a dos filhos dos imigrantes paquistaneses.
Shahid, um calouro da universidade, dilacera-se entre sua origem racial e os apelos da identidade religiosa muçulmana e a formação cultural e intelectual ocidentalizada. O "álbum negro" do título, também nome de um disco raro de Prince (como era o conhecido antigamente o cantor que hoje tem por nome um símbolo impronunciável), é o livro "maldito" de Salman Rushdie, "Os Versos Satânicos", que precipita Shahid numa vertigem de intolerância e violência (mas não totalmente destituída de comicidade).
Na impossibilidade de construir um "Bildungsroman" no século da velocidade, Kureishi, à maneira de Salinger em "O Apanhador no Campo de Centeio", registra a história de uma crise. De Shahid e de todo o mundo ocidental.

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