São Paulo, domingo, 23 de fevereiro de 1997 |
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Além da comiseração
TÂNIA MARQUES
Mas o objetivo desses peregrinos contemporâneos não é propriamente religioso. Para atender ao último pedido do açougueiro Jack Dodds, recém-morto, seus amigos Ray, Vic e Lenny e o filho adotivo, Vince, partem para jogar suas cinzas ao mar. Suas histórias, sem moral, ainda que não isentas de escolhas morais, são tecidas com o fio da memória, em fluxos de consciência que se alternam. As diversas narrativas, sempre em dialeto "cockney", típico das classes trabalhadoras de Londres, amalgamam-se na do amigo Ray, que Jack apelidara de "Lucky" (Sortudo) -e em suas próprias palavras "homem de probabilidades". Ao narrar, os personagens compõem não um retrato de Jack, mas a recuperação das diversas tramas que urdiram a existência de cada um deles, os ditos e os não-ditos. É a si mesmos que eles se mostram. Mas não se pense que "Last Orders" concede ao sentimentalismo. Alternadamente oniscientes e mal-informados, fazendo-se sujeitos do próprio luto pela via da memória e da ação presente, os personagens revelam-se humanos a um ponto muito além da comiseração. Tematizando a perecibilidade da espécie, o livro aponta a riqueza de cada uma das experiências individuais. Tecnicamente brilhante e conteudisticamente rico, "Last Orders" é uma grande homenagem à vida na forma de hino ao possível. Texto Anterior: O cotidiano extraordinário Próximo Texto: As ilhas distantes da ilha Índice |
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