São Paulo, domingo, 23 de fevereiro de 1997 |
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As ilhas distantes da ilha
MARIA ERCILIA
Estes escritores não chegam a formar um grupo, mas têm em comum a língua emprestada e as origens coloniais. Naipaul, talvez o melhor deles, foi chamado por Edward Said certa vez de "white man's nigger" (negro do homem branco, subserviente). Apesar de a relação entre a colônia e o império ser uma obsessão sua, não pega carona com facilidade na onda multiculturalista. Escreveu críticas ácidas à Índia e a Trinidad, sua ilha natal. Ridiculariza sem piedade os aspectos patéticos do homem colonial -mas faz o mesmo com a Inglaterra. Já se referiu ao fato de que idealizava uma Londres de romance de Dickens, e a realidade foi um choque. Como Naipaul, Rushdie abriu caminho para a literatura das colônias. Ele praticamente inaugura a literatura indiana moderna. Estilisticamente, porém, é outra história: sua imaginação exuberante o inclina para um realismo mágico. Hanif Kureishi não tem a estatura dos dois, mas dificilmente teria existido sem eles. Pinta uma Londres decadente, com sua mistura racial, desemprego e pobreza, mas parece perfeitamente integrado nela. É um lugar degradado e perigoso, mas ele parece encontrar uma alegria selvagem nisso. Os anos 80 foram um momento privilegiado para a literatura inglesa. Escritores mais antigos, como Naipaul, se consolidaram, e surgiu uma geração nova. Entre eles, Julian Barnes, Graham Swift, A.S. Byatt e Martin Amis. Mas estes britânicos também não escaparam de colonizações mais sutis. Martin Amis sempre manteve um pé firmemente plantado em Londres e outro em Nova York (escreveu um livro sobre os EUA, "The Moronic Inferno"). É um satirista na tradição de Swift, que distorce e deforma em nome de uma visão nauseada do mundo da cultura pop, da pornografia e dos pequenos prazeres baratos. Os personagens de Amis escorregam na caricatura, mas sua prosa afinadíssima acaba por sustentá-los. Ele mesmo já afirmou que sacrifica tudo por uma boa frase. No seu caso, vale a pena, porque é um frasista espetacular, cheio de adjetivos cascateantes e descrições suntuosas. Em "Money", história de John Self, um pornógrafo abjeto que vive em Nova York, às voltas com dinheiro grosso e sexo idem, ele mostra tudo que aprendeu com a América. A Londres de "Campos de Londres", suja e sombria, é uma paisagem poderosa e inesquecível. O fleumático Julian Barnes afirmou que "todo mundo precisa de um outro país para projetar seu romantismo e idealismo. Infelizmente a maioria das pessoas prefere fantasiar o próprio país". O outro país de Barnes é a França. Filho de um professor de francês, estudou francês na faculdade e escreveu livros como "O Papagaio de Flaubert". Barnes tem um humor sutil e contido. Gosta de escrever sobre romances fracassados e ligeiramente ridículos. A.S. Byatt e Graham Swift ("Terra d'Água", que foi adaptado para o cinema) têm em comum a experimentação narrativa. Byatt, principalmente, tentou praticamente tudo -realismo, paródia, pastiche, alegoria. Escritora bastante influenciada por estudos literários, chegou a satirizar seu próprio "peso" acadêmico em "Possessão", seu romance mais famoso. Embora competente, Byatt tem a mão um pouco pesada. Como Ondaatje e Swift, teve um livro transformado em filme ("Anjos e Insetos"). Texto Anterior: Além da comiseração Próximo Texto: MÁRIO NA FRANÇA; CRIAÇÃO DA USP; CANDIDO; MERCADO EDITORIAL; TRADUÇÃO; O AMANTE; DURAS; INDUSTRIALIZAÇÃO; REVISTA; LANÇAMENTO; INTERNET Índice |
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