São Paulo, quarta-feira, 26 de fevereiro de 1997
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Ditadura a priori

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Labora em erro (a expressão é cara aos juízes) quem acha o presidente da República desprovido de metas. Ele até que pode não ter metas, mas tem -e como tem!- a meta que conta que é ficar no poder com seu grupo pelo tempo que for possível. Dos mil anos que foram meta para o 3º Reich aos 20 pretendidos por Sérgio Motta, qualquer número intermediário é lucro.
Depois de dobrar o Congresso com o peso de seu balcão, ele pretende agora investir contra o Judiciário, tornando-o mero aprovador de suas medidas pelo bem do Brasil. Entre essas medidas, a principal é a sua continuação no cargo, por ora com a possibilidade de sua reeleição, depois, por outro artifício legal que obterá do Congresso vergado à força de seu fisiologismo.
O apelo feito pelo porta-voz do governo para que os juízes pensem "o bem do Brasil" supera em cinismo os pronunciamentos mais idiotas do tempo dos militares. Juiz não tem de pensar no bem do Brasil, que no caso é o bem de FHC e de seu grupo. O juiz tem de pensar é na lei -sem colocá-la a serviço de nenhuma outra causa.
Que FHC faça da Constituição o que bem entende, contando para isso com a cumplicidade babosa e criminosa do Congresso, ainda se compreende: são políticos cuja moral é política, ou seja, nenhuma.
Juiz é outra coisa, ou pelo menos deve ser. No momento em que o governo, a pretexto de garantir o real que lhe garante o poder, decide dar aumento para os militares e negá-lo aos civis, ficam patentes não apenas a injustiça, mas o cálculo golpista.
Evidente que FHC tentará "contornar" a crise. Emissários de sempre levarão aos juízes as propostas de sempre, na base do "o que você está precisando?"
Amaciando militares, comprando legisladores e tentando subornar juízes, o presidente da República arma aquilo que podia parecer um paradoxo: a ditadura legalizada a priori.

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