São Paulo, segunda-feira, 3 de março de 1997
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Tantas palavras

JOÃO SAYAD

Economistas são especialistas em jogos de palavras que tentam demonstrar que o cruel é inevitável ou que o difícil é fácil. Depende da delicadeza do problema e da audiência.
Hoje, vou procurar mostrar que a redução do "custo Brasil" não aumenta exportações.
A idéia de que custos menores aumentam as exportações é intuitiva, mas vale apenas para empresas isoladas: se a Volkswagen aumentar a produtividade e os metalúrgicos não exigirem salários maiores, poderá vender mais carros do que a General Motors. Mas o que acontece se a produtividade de todas as empresas aumentar?
"Custo Brasil" é o custo associado a produtos e serviços que só podem ser produzidos no Brasil, não podendo ser importados: custo de transporte (não se pode importar uma viagem do Rio a São Paulo), custo de habitação (não posso morar em São Paulo pagando aluguéis australianos ou tarifas de águas inglesas), custo da Justiça (não posso processar um credor brasileiro de dívida brasileira usando a Justiça americana), segurança (não sou protegido pela Scotland Yard, que não sabe nada a respeito do consumo de crack no Brasil) e assim por diante.
Será que quando se reduzir o custo Brasil vamos exportar mais?
Suponha que, por um passe de mágica, o "custo Brasil" se reduza da noite para o dia. Passamos a morar em um país com estradas alemãs, telefones americanos, Justiça inglesa e segurança pública japonesa.
Houve grande aumento de produtividade no Brasil -podemos produzir mais de tudo ao mesmo custo ou a mesma coisa de antes com custos menores.
Chega o outono e o agricultor precisa decidir se vai plantar mais soja, que só pode ser exportada ou mais feijão que só é vendido no mercado interno.
A produtividade aumentou de forma geral -transporte, segurança, habitação e Justiça são mais eficazes, mais baratos.
Se os salários nominais ficarem constantes, o agricultor vai plantar a mesma área de soja e de feijão que plantava antes. Não há razão nenhuma para plantar mais soja: o preço da soja em dólares continua o mesmo apesar do nosso progresso, o câmbio continua igual e o salário igual. Nem há razão para plantar mais feijão do que antes. Nada se alterou, apenas trabalhadores ficaram mais ricos e mais felizes.
Se o salário nominal cair porque agora é mais barato morar em São Paulo, viajar na via Dutra, chamar a PM, usar a Justiça e o "novo sindicalismo" aceitar que este ganho de produtividade não pertence ao trabalhador, vale a pena exportar mais soja.
Pois com salário nominal menor, refletindo os custos menores do Brasil, o preço do feijão também cairá, pois, afinal, só os brasileiros comem feijão.
Mas o preço da soja não cai, pois americanos, franceses e ingleses continuam na mesma situação de antes. Assim, o preço da soja fica constante e o do feijão cai. O agricultor planta mais soja e menos feijão -exportamos mais.
Então a redução do "custo Brasil" só aumenta as exportações se as vantagens desta redução resultarem em preços menores para os preços dos produtos do Brasil -mão-de-obra e feijão. Do contrário, se os salários nominais ficarem constantes e os brasileiros consumirem mais feijão, mantendo constante o preço do feijão, as exportações não aumentam.
Portanto, a redução do "custo Brasil" não resolve em nada a questão do balanço comercial brasileiro. Só existe solução se aumentar o preço do produto exportável relativamente ao preço do mercado interno, o que pode ser conseguido com redução do salário nominal ou com aumento da taxa de câmbio.
Salário nominal é o salário expresso em moeda corrente do país, o salário com o "nome" ou as palavras que estão escritas no contracheque que o trabalhador recebe -R$ 100 (cem reais).
A redução do salário nominal é inaceitável. Vejam o que está acontecendo na Argentina: 16% de desemprego e greve geral. Ninguém aceita ganhar menos, e no Brasil a Constituição proíbe a redução dos salários nominais.
Mas a desvalorização do câmbio equivale à redução do salário real medido em termos de soja.
Se os trabalhadores não exigirem correção de salário porque o câmbio foi corrigido e a soja ficou mais cara, é mais fácil corrigir o câmbio do que reduzir salários.
Se os trabalhadores exigirem correção do salário por causa da correção cambial, temos inflação. Nesse caso, os trabalhadores podem se tornar mais "racionais" se forem ameaçados pelo desemprego.
A conclusão é desagradável: a redução do "custo Brasil" pode nos tornar mais felizes, mas não aumenta as exportações. Só aumentará as exportações se os salários nominais caírem. Ao fim e ao cabo, a idéia de "custo Brasil" é mais um jogo de palavras.

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