São Paulo, segunda-feira, 3 de março de 1997
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Rodovias sem conservação, prejuízos para a nação

ROGÉRIO WALLBACH TIZZOT

Trabalhos realizados pela Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), órgão vinculado às Nações Unidas, patrocinados pela Agência de Cooperação Técnica do Governo da Alemanha (GTZ) e pela International Road Federation (IRF), demonstram que o atual sistema de conservação rodoviária exauriu-se e, em decorrência de sua ineficiência e ineficácia, gera enormes prejuízos às nações.
Pelo menos um terço da rede rodoviária dos países de América Latina e Caribe apresenta-se em péssimas condições por falta de conservação adequada. Trafegar nessas rodovias significa um acréscimo de mais de 45% no custo operacional dos veículos, exige o dobro do tempo de viagem e resulta em um acréscimo substancial no custo final dos produtos.
Tornou-se normal o "ciclo perverso" de construir estradas, não conservar, deixar deteriorar e reconstruir, o que leva a um gasto entre três a seis vezes maior do que se gastaria com a conservação adequada, realizada na época oportuna. Os prejuízos anuais para os países da região alcançam valores da ordem de 1% a 3% do PIB (Produto Interno Bruto) de cada um deles.
Em relação ao Brasil, isso significa, em média, um prejuízo da ordem de R$ 10 bilhões por ano, além dos milhares de mortos em acidentes, em função também da falta de recursos para melhores policiamento, controle e educação para o trânsito.
Para cada real não aplicado na conservação, gastam-se R$ 3 em custos operacionais adicionais e, pelo menos, mais R$ 3 para restaurar ou reconstruir as estradas que não foram conservadas. Isso indica que investimentos na conservação rodoviária resultam em taxas internas de retorno da ordem de 30% a 50%, fato que merece análise dos economistas e planejadores governamentais.
É possível eliminar esse enorme prejuízo com um programa de conservação adequado, constante, planejado e com recursos disponíveis para aplicação no momento oportuno. Isso exige uma profunda reforma do setor, envolvendo aspectos institucionais, financeiros e de gestão.
Essa reformulação, que já vem sendo adotada em alguns países, baseia-se no financiamento dos serviços de conservação por meio de uma tarifa ou taxa cobrada em conjunto com o preço dos combustíveis, constituindo-se assim um fundo a ser aplicado exclusivamente na conservação de vias públicas. É fundamental a participação dos usuários na gestão dos recursos arrecadados, pois, quanto mais controlada e transparente for sua aplicação, menor será o valor necessário.
A cobrança com o preço do combustível, diretamente na primeira venda do produto na refinaria, não permite evasão e teria um custo administrativo de arrecadação de apenas 1% da receita. Comparando-se essa forma de cobrar pela conservação de rodovias com o pedágio, observa-se seu alto grau de economia e eficiência, pois o custo de arrecadação do pedágio situa-se entre 15% a 30% da receita total, além do que este sistema é viável somente para rodovias com grandes fluxos de tráfego e, embora sendo uma boa alternativa, não se constitui numa solução para toda a rede rodoviária.
É de se esperar reação contrária à idéia de cobrar pela conservação. Entretanto, constata-se que os usuários e a população em geral já estão pagando muito mais devido ao péssimo estado das estradas, além dos mais de 40 mil mortos por ano em acidentes, o que não tem preço.
Para evitar acréscimos nos preços dos combustíveis em função da cobrança da tarifa ou taxa, pode-se deduzir seu valor correspondente dos impostos já incidentes sobre esses produtos. Além disso, o fundo poderia constituir-se também de outras receitas, como taxas de licenciamento de veículos, multas de trânsito e por excesso de peso.
Constata-se que, enquanto não se criar um sistema institucional/financeiro forte e exclusivo para a conservação da malha rodoviária, com menor dependência dos orçamentos gerais, não será possível reverter o atual quadro dos enormes prejuízos já apontados.
A conservação de rodovias, ao contrário da construção de novas estradas, não pode depender das discussões políticas anuais sobre os orçamentos, pois a rodovia mal conservada primeiro gera enormes prejuízos e depois acaba. Não tem sentido a discussão quanto a conservar ou não uma estrada, a menos que esta possa deixar de existir; e, se assim o é, não deveria ter sido construída.
Além das reformas institucional e financeira, torna-se também necessária a reforma da gestão da conservação. Alguns países, como Nova Zelândia, Austrália, Canadá, Argentina, Chile, entre outros, já estão adotando contratos de gestão com empresas (públicas ou privadas) para gerenciar a conservação de rodovias, mediante pagamentos fixos mensais com base no cumprimento das condições de qualidade preestabelecidas para cada um dos trechos.
Nos contratos tradicionais, os pagamentos são efetuados em função da quantidade de serviços executados, induzindo as empresas a realizar mais serviços para aumentar o lucro. Por outro lado, os pagamentos fixos dos contratos de gestão conduzem as empresas a buscar a eficiência para obterem serviços de boa qualidade com baixo custo, pois, se necessárias correções e complementações, estas serão realizadas por conta da própria empresa, ou seja, sem receber, do contratante, pagamento por quantidades adicionais executadas.
A constatação quanto à precária situação do patrimônio rodoviário brasileiro e suas consequências altamente negativas para a economia nacional resultou em estudos que estão sendo desenvolvidos pelos órgãos governamentais competentes para reformular o setor.
Espera-se que essa iniciativa resulte na eliminação dos enormes prejuízos causados pela inadequada ou ausente conservação rodoviária, restando assim muito mais recursos para atender as urgentes demandas sociais daqueles setores incapazes de gerar receita para sua auto-sustentação.

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