São Paulo, segunda-feira, 3 de março de 1997
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Os precatórios e os governadores - 2

LUÍS NASSIF

Em si, as operações de emissão de dívida com base nos precatórios são financeiramente vantajosas, substituindo dívidas caríssimas de 80% a 150% ao ano -realizadas por meio de operações de Antecipação de Receita Orçamentária (ARO)- por outras de 5% a 8% ao ano, além da taxa Selic.
Há margem para golpes, mas não para generalizações.
No capítulo referente aos governadores, a coluna vai tentar expor algumas acusações e os argumentos da parte contrária -no caso, da corretora Vetor e do governo de Santa Catarina, que me procuraram com documentos e explicações.
Delito institucional
Para conseguir os recursos dos precatórios, muitos governantes (mas nem todos) incorreram em dois tipos de procedimentos condenáveis -mas de gravidade diferente.
O primeiro, o dos chamados delitos institucionais -de driblar determinações da Constituição e do Congresso.
Fazem parte dessa relação:
1) Discussão sobre os valores dos precatórios.
A partir do caso da prefeitura paulista -que inaugurou esse negócio- o Senado passou a permitir que ações ajuizadas, mas ainda não julgadas até a promulgação da Constituição, pudessem ser arroladas para o cálculo da emissão de títulos. E também valores referentes a correções dos planos Bresser, Collor e Real.
Se um Estado recorre a esse critério para aumentar seu limite de endividamento, pode-se contestar o critério, fechar a porta aberta, mas não se falar em falsificação.
É o que ocorreu nas diferenças de cálculos entre o Tribunal de Contas e o Tribunal de Justiça de Santa Catarina sobre as dívidas estaduais, tratadas como escândalo. Escândalo é falsificação de valores, não discussão de critérios de cálculo.
2) Destinação dos recursos captados.
O dinheiro aplicado só poderia ser utilizado para pagamento de precatórios. Governador que deu outra destinação, em lugar de uma dívida (a dos precatórios) vai legar para as futuras gerações duas dívidas (precatórios e títulos emitidos).
O governador de Santa Catarina reconheceu a utilização para outros investimentos. Pode alegar todos os bons motivos do mundo, mas nem recursos para obras de Madre Tereza de Calcutá podem mais servir de álibi para o descumprimento da Constituição. Ainda assim, essas infrações são de ordem administrativa, não criminal.
Delito penal
A parte penal da questão são as operações de enriquecimento pessoal permitidas pela indústria dos precatórios.
Há que se separar comissões e deságios legítimos, e legalizados por meio de contratos, dos golpes propriamente ditos.
Se uma instituição de mercado descobre uma operação que permite aos Estados substituir uma dívida de custo entre 80% a 150% ao ano por outra de 5% a 8% ao ano -incluindo comissões oficiais-, é evidente que vai vender o produto caro aos clientes.
Vai ocorrer crime se a instituição pagou propinas para obter a autorização para a emissão. Essa questão só poderá ser respondida pelo efetivo rastreamento do dinheiro pago.
Salta à vista, em todo caso, que os US$ 10 milhões pagos pela Vetor ao funcionário da Prefeitura de São Paulo, Wagner Ramos, não se justificam sob nenhum prisma técnico.
Outra confusão é a respeito do deságio. Um título de valor de resgate de 100, emitido por prazos de quatro anos a juros de 6% ao ano, será vendido no mercado por 80 para, daqui a quatro anos, o investidor receber os 100 devidos. Dizer que houve deságio de 20% ou 26%, sem explicitar o prazo, é querer confundir a questão.
O ponto central de toda análise é o percurso dos títulos no mercado financeiro e o eventual beneficiamento de instituições ligadas às autoridades ou aos esquemas. Mas isto é tema para a próxima coluna.
Carioquinhas
A controvertida operação com as "carioquinhas" -que envolveu o filho do então prefeito Marcelo Alencar, e levou ao seu rompimento com Leonel Brizolla- foi montada pela corretora Vetor.
Café
Como era previsto, o Ministério da Indústria e do Comércio com a Federação Brasileira dos Exportadores de Café (Febec) deram início a manobras de intervenção no mercado de café. Que o presidente da República fique atento.

Email: lnassif@uol.com.br

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