São Paulo, terça-feira, 4 de março de 1997
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Justiça dá a vigia passe se atacante

MÁRIO MAGALHÃES
ENVIADO ESPECIAL A SANTA CATARINA

Até quatro anos atrás, o vigia Vidomar Porto tinha uma casa, 40 cabeças de gado, galinhas, patos, marrecos e cachorros.
Desempregado, doente renal e com problemas nervosos, hoje seu único bem é o jogador de futebol Claudiomir Bereta, um atacante de 1,70 m de altura, 69 kg de peso e qualidades muito alardeadas em Santa Catarina.
O vigia ganhou o passe do atleta no ano passado, em decisão da juíza do Trabalho Mirna Uliano Bertoldi, da 6ª Junta de Conciliação e Julgamento de Florianópolis.
Ela estipulou o valor do passe em R$ 15.098,44, exatamente a dívida do antigo proprietário, o Avaí Futebol Clube, com o vigia Vidomar Porto.
Em 1995, o passe de Claudiomir havia sido penhorado. Num episódio dramático para o jogador, foi a leilão, mas nenhum clube o arrematou.
Hoje ele está novamente jogando pelo Avaí, graças à Federação Catarinense de Futebol (FCF), que contrariou a Justiça do Trabalho, devolveu o atleta à equipe e aprofundou a polêmica jurídica.
Uma ordem judicial foi expedida na semana passada, dando prazo até amanhã para a FCF entregar o passe ao novo dono.
Na opinião do presidente do Avaí, Flávio Félix, pessoa física não pode ser dona de passe.
Para o advogado Waldemar Justino, representante do vigia, a Justiça ordinária (aberta a qualquer cidadão) se impõe à Justiça Desportiva. "Se a federação não devolver o passe, pedirei a prisão do presidente da entidade."
Angustiado, Claudiomir, 26, quer o fim do imbróglio para acabar com a "humilhação" que vem passando.
Vidomar Porto, 43, planeja vender o passe para comprar uma casa, 250 cabeças de gado e nunca mais conversar com um dirigente de futebol. "Eu não roubei, eu não matei e só quero justiça."
Dívida
O vigia trabalhou no Avaí entre 1989 e 1993, quando foi demitido e entrou com uma ação contra o clube.
Em 1994, sentença da 6ª Junta de Florianópolis determinou ao Avaí pagar a diferença entre o salário do ex-funcionário e o piso da categoria, 13º salário, horas extras (4 horas por dia), férias e o valor não depositado no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.
Como, depois de meses, o clube não saldava o débito, teve seus bens penhorados.
"Mas o estádio da Ressacada é do Estado, e o clube só tinha um ônibus, muito velho", diz o advogado Waldemar Justino.
Foi penhorada então a renda de um jogo, que mal superou R$ 500 -valor correspondente a menos de 4% da dívida.
Foi então que a admiração de um fã, o vigia, transtornou a vida de um ídolo, o jogador.
O advogado teve a idéia de requerer a venda do passe de um atleta para o pagamento da dívida e pediu a indicação a Vidomar Porto, que às vezes via o fim dos treinos e ouvia comentários sobre os heróis das partidas.
"O melhor é o Claudiomir", disse então o vigia. "Ele veio novo para o Avaí, nunca deu problema, chuta com as duas e joga muita bola."
Em 1995, foi aberto o pregão na Justiça do Trabalho, mas nenhum clube comprou o passe, temendo uma novela que viria mesmo a se prolongar.
A juíza Mirna Bertoldi então o transferiu para o nome de Vidomar Porto. Recurso do Avaí foi negado pelo Tribunal Regional do Trabalho.
Desde março de 1996, o vigia procura um clube para seu atleta, que continuou jogando no Avaí e ficou sem receber salário nos últimos sete meses do ano passado.
Há um mês, Vidomar Porto acertou com o Joinville o empréstimo de Claudiomir por R$ 15 mil, pelo prazo de um ano.
Para comprar o passe, o clube da maior cidade catarinense teria que pagar mais R$ 45 mil.
Mas o Avaí recorreu à FCF, baseado na legislação esportiva: o vigia não fez proposta salarial ao jogador depois de 31 de dezembro, quando acabou o contrato com o Avaí. Assim, para a entidade, o passe voltou para o Avaí.
E, para o presidente do clube, "a dívida com o vigia já está paga".

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