São Paulo, terça-feira, 4 de março de 1997 |
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Mapplethorpe reúne erotismo e heroísmo
CELSO FIORAVANTE
* Folha - Mapplethorpe acreditava que seu trabalho tinha uma função, digamos, social? Germano Celant - Nenhum artista acredita que pode mudar a sociedade. Quem lê o trabalho é que vê as questões sociais. Somos nós os leitores. O artista nunca é o leitor de si mesmo. Mapplethorpe não fazia nada pela sociedade, mas para expressar a si mesmo. Queria documentar os seus amigos e o seu universo. Quando estava com Patti Smith, ele a fotografava. Depois descobriu-se homossexual e passou a fotografar as suas relações. Depois descobriu sua paixão pelos negros e passou a retratar o corpo escultural de um afro-americano. Mapplethorpe fala desse corpo brônzeo, assim como Canova. A diferença é que Canova usava o mármore branco e ele, o mármore negro. Folha - Por que você relaciona erotismo e heroísmo na obra de Mapplethorpe? Celant - Uma pessoa que se declara erótico de uma forma pública, como fez Mapplethorpe, se torna um herói porque luta por uma causa. É como um El Cid, como todos os que se batem por um ideal. Mapplethorpe se bate por uma sexualidade livre, que não existia nos anos 80. Folha - A descoberta da Aids mudou sua produção artística? Celant - Mudou muito. A tensão sexual foi removida. Sua beleza estava indo embora e ele passou a se interessar mais por objetos mortos, as esculturas que colecionava. Sua produção final não traz mais erotismo. Folha - Como você encarou as polêmicas sobre essa mostra? Celant - Quem olha a mostra projeta seu modo de ver a sexualidade. Quem vê "Rosie" como um fato pornográfico é um pornógrafo (foto de uma garota de 5 anos, sentada, com as pernas abertas e sem calcinha). As pessoas projetam naquilo que vêem o que desejam. O problema dessa fotografia na Inglaterra é um problema de uma cultura que tem medo de seus próprios desejos. Folha - Como você acha que será a resposta brasileira à mostra de Mapplethorpe? Celant - Me parece que a cultura brasileira é uma cultura aberta, que pelo que conheço é muito aberta e livre. É muito interessada no corpo, por um prazer estético e sensual. Acho que encontrará felicidade na mostra. Folha - Você acredita que a arte pop foi o último movimento de repercussão mundial? Celant - Os movimentos de arte terminaram nos anos 70, pois não existe mais a necessidade de gritar. Depois disso existiram individualidades: Mapplethorpe, Keith Haring, Jeff Koons... personagens que procuraram falar por si e não mais em nome de um grupo. Será difícil voltar a fazer um discurso em grupo, pois não existe a questão ideológica que unia as pessoas. Não existe sequer um líder ou uma cultura líder. Folha - Quais artistas vivos lhe interessam? Celant - Continuo trabalhando com grandes mestres, como Claes Oldenburg e Luciano Fabro, mas também com jovens, como o inglês Damien Hirst. Me interessa também trabalhar com a ruptura de fronteiras entre a arte e alguma outra coisa. Fiz uma bienal da moda, em Florença. Me interessa sempre procurar a ruptura dos limites, algo que aprendi com os artistas. Folha - Você já esteve no Brasil? Celant - Estive, mas há muito tempo. Aliás, um dos primeiros textos que escrevi, em 1964, era sobre Lygia Clark. Também gosto muito de Tunga. Texto Anterior: Mostra reunirá de fotos a objetos pessoais Próximo Texto: Bienal está de olho em Van Gogh e Matisse Índice |
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