São Paulo, terça-feira, 4 de março de 1997
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Frei Betto faz romance sobre Cristo

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

Mudou o lado do Atlântico, mas o mote se mantém. Frei Betto -jornalista, escritor e religioso mineiro- está escrevendo a biografia de Cristo.
Não é uma obra catequética, como se poderia esperar de um frade dominicano. Nem se trata de um estudo circunspecto, preocupado apenas com exatidões históricas.
O que Frei Betto está semeando há três anos é um romance que tem por protagonista "o cordeiro de Deus", "o Filho do Homem", "o caminho, a verdade e a vida".
Difícil, portanto, não remeter o livro para o outro lado do oceano. Foi lá que, em 1991, o português José Saramago engendrou "O Evangelho Segundo Jesus Cristo", também um romance -ficcional, polêmico, escandaloso- sobre o Messias.
Fora o tema e o idioma, os dois autores ainda comungam a mesma fé política. Saramago militou por toda a vida no Partido Comunista. Frei Betto, 52, se diz de esquerda desde a puberdade.
Na época mais dura do regime militar, integrou a ALN (Ação Libertadora Nacional), grupo guerrilheiro capitaneado por Carlos Marighella.
Morava em São Leopoldo (RS) e "fazia contrabando de gente". Tirou do país "dez brasileiros que nadavam contra a maré", sempre pelas fronteiras da Argentina ou do Uruguai.
O "tráfico" acabou por empurrá-lo para a cadeia. Entre 1969 e 1973, contabilizou oito presídios, incluindo o Complexo do Carandiru, na zona norte de São Paulo.
Em 1971, o governo lhe usurpou os direitos de preso político. Decidiu tratá-lo como "bandido" -daí a temporada no Carandiru e em penitenciárias de segurança máxima. "Por dois anos, desci ao inferno."
E, do inferno, enviou centenas de correspondências para amigos e parentes. Reunidos, os escritos resultaram em três livros: "Cartas da Prisão", "O Canto na Fogueira" e "Das Catacumbas".
Os tempos de cárcere também inspiraram um romance, "O Dia de Ângelo" (1987), e um volume de memórias, "Batismo de Sangue" (1982), que consagrou Frei Betto, rendendo-lhe os prêmios Jabuti e Juca Pato.
Em 1985, o frade de Belo Horizonte voltou à literatura política. Escreveu "Fidel e a Religião", resultado de uma longa conversa com o líder cubano, que se estendeu por quatro dias.
O livro ficou famoso porque, pela primeira vez, um marxista no poder discorria positivamente sobre o cristianismo e a Igreja (o comandante chegou a elogiar até o papa João Paulo 2º).
Traduzido em mais de 30 países, "Fidel e a Religião" vendeu 2 milhões de exemplares, mas não encheu os bolsos do escritor. Os cubanos compraram a maior parte da tiragem e, seguindo a cartilha revolucionária, não pagaram direitos autorais.
Por se definir como "simpatizante, torcedor e eleitor do PT", Frei Betto lançou em 1989 "Lula - Biografia Política de um Operário", outro sucesso editorial.
Hoje consultor do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), soma 34 títulos publicados -nem todos de caráter político. A lista, eclética, abarca livros didáticos, jornalísticos, infantis, de contos e de culinária.
Belo
Frei Betto acumula, por enquanto, 350 páginas e 15 capítulos da biografia de Jesus, batizada provisoriamente de "Entre Todos os Homens". Não faz idéia de quando irá concluí-la, mas já sabe que a editora Ática vai publicá-la.
Gosta de dizer que se trata de "uma biografia autorizada". "Sou cristão e me sinto autorizado para falar de quem admiro", brinca o religioso, que carrega Jesus até no nome. Oficialmente, se chama Carlos Alberto Libanio Christo.
É neste ponto que acabam as semelhanças com Saramago. O livro de Frei Betto não pretende tirar o olho dos quatro evangelhos. Usando uma figura do próprio frade, a biografia deseja abrir o "leque bíblico", mas sem adulterá-lo.
Tomará os textos dos apóstolos como uma espécie de sinopse, de trilha. E relatará apenas fatos já abordados pelas escrituras, enriquecendo-os com reconstituições históricas e narrativas ficcionais que não ferem a essência de Cristo (leia quadro abaixo).
O Jesus de Frei Betto, para citar somente um exemplo, continuará celibatário. O de Saramago se casou com Madalena.
É só o que o religioso revela por ora. "Retratarei um Cristo profundamente místico", resume, dando pistas de que o protagonista do romance não sairá à imagem e semelhança de seu criador.
Não erguerá bandeiras políticas nem servirá de eco para a Teologia da Libertação. "Quero escrever, acima de tudo, um livro belo."

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