São Paulo, sexta-feira, 7 de março de 1997
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Exclusão e esquecimento

SAMUEL GOMES DOS SANTOS

Desde 1991, quando pela primeira vez a denúncia chegou à imprensa, a opinião pública é sacudida de tempos em tempos por reportagens de televisão e de jornal -como a publicada pela Folha (27/01/97), assinada por Junia Nogueira de Sá, relembrando que dezenas, por vezes mais de uma centena, de brasileiros, vários deles menores de 18 anos, apodrecem há anos esquecidos na Penitenciária Regional de Ciudad del Este, na fronteira com Foz do Iguaçu (PR).
Quase todos do Sul do país são brasileiros que partilham condições de igualdade, tanto na origem comum de suas desventuras -a miséria que os expulsou daqui e os atraiu para o ex-eldorado paraguaio, em busca de oportunidades de trabalho negados aos pobres no Brasil-, quanto na condição de estarem entre os cerca de 200 mil brasileiros ingressos ilegalmente no Paraguai.
São párias, nem cidadãos daqui nem cidadãos de lá. Gente que vive nas sombras, levando uma vida sem vida na superlotada prisão paraguaia.
A história é quase sempre a mesma. Em geral detidos no interior do Paraguai, onde não há juiz togado, são ouvidos, sem assistência de advogado, por um juiz de paz (leigo) que, podendo escolher entre libertar o acusado ou converter a detenção em prisão, quase invariavelmente faz a segunda opção.
Daí em diante, mudam apenas os nomes das vítimas da sempre renovada tragédia brasiguaia: os anos passam e não vem audiência, nem condenação, nem absolvição. Nada. Só prisão sem julgamento.
Não basta que o governo brasileiro envie alguns recursos, sempre insuficientes, para a assistência consular. O que é necessário é considerar o problema como a ponta do iceberg das consequências da presença ilegal de centenas de milhares de brasileiros em solo paraguaio e colocá-lo decididamente na agenda das relações bilaterais com o Paraguai e multilaterais no Mercosul.
O acordo para a transferência de condenados, proposto pelo Ministério da Justiça, também não alterará a situação, ao menos a curto prazo, pois mais de 90% dos presos não têm condenação.
As entidades comprometidas com a dignidade da pessoa humana, como a OAB e o Movimento Nacional dos Direitos Humanos, cumprem papel importante denunciando a omissão dos governos brasileiro e paraguaio.
Por ora, a realidade é que os governos do Cone Sul agitam-se em negociações para atender aos megainteresses do capital mundializado, enquanto nos porões do Mercosul geram-se e reproduzem-se tragédias sociais, como a dos brasileiros pobres presos no Paraguai. Excluídos e esquecidos.

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