São Paulo, terça-feira, 11 de março de 1997
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Por que Judiciário é poder mais antipático

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Primeiro, porque a ordem existente nunca é inteiramente aquela que deveria ser. Como já disseram os filósofos, "não há tortura pior do que a tortura das leis" (Francis Bacon).
Ou então: porque o próprio "conceito de justiça é, como o conceito de liberdade, um conceito negativo: seu conteúdo é pura negação. O conceito de injustiça é que é o positivo" (Schopenhauer). Ou seja: a idéia de justiça só existe por conta da reconhecida injustiça da raça humana.
A antipatia pela Justiça é universal. Por ocasião da última Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, o Brasil deixou de ver um importante documentário traçando um quadro em tudo negativo do sistema judiciário dos EUA.
Na última hora, o filme não veio ao festival. Chamado "Paradise Lost: The Child Murders at Robin Hood Hills" (Paraíso Perdido: Assassinatos de Crianças em Robin Hood Hills), trata do estupro e assassinato de três meninos de 8 anos em West Memphis, estado de Arkansas, em 1993.
Os diretores Joe Berlinger e Bruce Sinofsky acompanharam do início o julgamento dos acusados do crime: três rapazes adolescentes da cidade.
Conseguiram licença para filmar o julgamento, e expuseram em detalhes grotescos a ferida aberta bem no interior do país mais rico do mundo: a Justiça, até lá, é precária e parcial ao lidar com pobres, analfabetos e desdentados.
Contra todas as evidências, os rapazes foram condenados e aguardam na prisão pronunciamento da Corte Suprema. O juiz do caso, além de cometer inadmissíveis erros de linguagem, passou o julgamento inteiro mascando chicletes.
No Brasil, o assunto é caso de calamidade pública, já que o cidadão comum praticamente não tem acesso à Justiça -instituição confusa, de mecanismos anacrônicos e distanciada da realidade.
Por isso mesmo, o recente "Dia de Mobilização Nacional pela Cidadania e Justiça", promovido por juízes brasileiros, (em 26/2) não despertou qualquer simpatia da população.
As reivindicações dos juízes fazem sentido na sua essência: impossível funcionar um Judiciário parado no tempo, sobrecarregado de trabalho, sem recursos para se modernizar.
Mas até quererem que a população reconheça os "baixos" salários dos juízes -que variam de R$ 3.500 a R$ 6.500 líquidos mensais- parece piada, num país que paga entre R$ 147,00 e R$ 300,00 aos professores de primeiro grau.
No Brasil, há crimes que parecem nunca ter punição, como os do colarinho branco ou os hediondos massacres da Candelária e de Corumbiara. Não bastasse isso, todo dia escândalos judiciais afrontam o bom senso dos cidadãos.
O último veio do interior de São Paulo, quando o juiz de Pirapozinho relaxou (em 5/3) a prisão dos pistoleiros e do fazendeiro que atiraram e feriram sem-terra durante uma invasão de terras. O mesmo juiz negou habeas corpus a sem-terra que participaram da invasão de terras comprovadamente devolutas. É, como diz o título do filme, "Esse Crime Chamado Justiça".

E-mail mfelinto@uol.com.br

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