São Paulo, terça-feira, 11 de março de 1997
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O teatro é generosa mãe, capaz de abrigar todas as tendências

MARCO ANTÔNIO BRAZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Desejo falar sobre as declarações do diretor Braz no "Acontece" de domingo, 2 de março. Sou diretor teatral (ao contrário do entrevistado, não devo minha ignorância a ninguém) e quero colocar ordem nessa confusão de idéias, não com o intuito de causar polêmica, mas porque o leitor pode ser induzido a pensar que nosso teatro está entregue em mãos inconsequentes e usurpadoras.
Além disso, conheço o entrevistado e admiro-lhe a obra, não a pessoa, portanto tomo para mim a intimidade de puxar-lhe a orelha.
Primeiro ponto. Braz afirma que o que gosta de ver no teatro é a história. Isto é de uma superficialidade que remete mais a um espectador de Walt Disney do que a figura de um encenador.
A história só interessa no teatro se ela nos mostra o homem em movimento, e por movimento compreendo aquela chama vital que permeia a vida humana do nascimento à morte.
Um espectador identificado com um ator que vive Macbeth descobre em si mesmo todos os sentimentos que impulsionam o mecanismo da tragédia.
É preciso então um personagem com alma suficiente para abrigar a humanidade dentro de si, somado ao essencial e primordial do teatro: o ator. Sem isso, qualquer peça seria simplesmente uma história contada por um idiota, significando nada.
Segundo ponto. Afirma o entrevistado que não pode assistir aos próprios espetáculos sem entrar no camarim e quebrar o pau. Como diretor, também sou herdeiro do duque Saxe-Meiningen, só que, ao contrário do colega, não quebro o pau mas a batuta e, ainda assim, somente quando me vejo incompetente de conduzir a orquestra através da sensibilidade.
É prerrogativa do diretor dirigir, e, se para conduzir o barco em rumo certo tiver que coibir motins e brigar contra tempestades, deve fazê-lo. Quanto a não assistir aos próprios espetáculos, eu só não assisto mais os meus porque não preciso. Meus atores são ótimos marinheiros.
Terceiro ponto. Afirma finalmente o famigerado que os "irmãos mais velhos" (Gabriel Vilela, Moacir Góes e Bia Lessa) são "ultraquadrados e que aceitaram as leis do mercado". Ora, quem tem medo do mercado não deve se dirigir ao mercado.
Tenho um projeto marcado para o Centro Cultural do Banco do Brasil que está dentro das chamadas "leis do mercado" (se é que isto existe no teatro brasileiro): "O Boca de Ouro", com direito à produção, testes para atores, Diogo Villela e tudo mais. E fui eu quem escolhi, não fui obrigado.
Portanto, retire a máscara de Edgar que no Brasil todo mundo é Peixoto! Além do mais, em matéria de teatro, é melhor ser Shakespeare do que Ibsen, que não lotava nem na casa dele.
Outra coisa, a história dos diretores do teatro brasileiro pode realmente ser reduzida a uma família. Os avós: Ziembinski, Adolfo Celi e os outros estrangeiros.
Os pais: Antunes Filho, Flávio Rangel, Zé Celso e tantos outros (os avós foram muito férteis); e os filhos novos ou velhos, são todos os que de uma maneira ou de outra estão prosseguindo com o ideal de um teatro autenticamente brasileiro e imorredouro. Logo Braz, somos todos irmãos. Inclusive o Gerald. Se você deseja distanciar-se deles e isolar-se é um problema de ordem pessoal que um psicólogo pode tratar.
Pessoalmente, discordo da crítica desfechada pelo irmão. Em vez de ultraquadrados, considero que estes encenadores têm realizado vários trabalhos chatérrimos e justamente em nome de uma inteligência e de uma vanguarda anacrônica.
Mas não podemos generalizar porque sabemos que cada trabalho possui o seu processo e seus meios e que qualquer um dos citados pode nos surpreender com um trabalho artístico de qualidade a qualquer momento. Aliás, é o que esperamos.
Considero a crítica às pessoas do meio teatral salutar, tão salutar quanto qualquer comentário futebolístico pode melhorar um jogador de futebol. Um ponta esquerda que só sabe driblar para fora deve ser alertado sobre sua limitação e aplicar-se para superá-la. No teatro deveria ser a mesma coisa.
Sem generalizações e arrogância, porque democracia não rima com falta de respeito. Tudo isso exige amor e não um ódio familiar e parricida, se é que você me entende! E, para usar uma idéia de Flávio Rangel: "O Teatro é uma grande e generosa mãe capaz de abrigar em seu seio todos os tipos de tendências e experiências e mesmo daquela aparentemente fugaz alguma coisa ficará".
Para terminar quero dizer que em comum temos o amor à obra de Zé Celso Martinez Corrêa e José Alves Antunes Filho que, apesar de terem idade para serem nossos pais, realizaram durante o ano passado espetáculos cuja audácia e jovialidade nos fizeram corar, a todos nós, os filhos.
Que os deuses do teatro nos permitam chegar à idade deles com o mesmo vigor artístico que eles possuem. Agora retornarei ao calor e à paixão dos ensaios de onde não deveria ter saído. Nem você!

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