São Paulo, quinta-feira, 13 de março de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Exemplos esclarecidos

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Quando foi convidado pelo presidente Hindemburg para formar seu primeiro gabinete, Hitler recebia uma herança pesada: inflação de 2.870%, 5 milhões de desempregados, o país tutelado e humilhado pelo Tratado de Versalhes.
Além disso, o velho marechal condicionou o convite a um compromisso: no gabinete a ser formado deveriam predominar os social-democratas (cinco) e apenas dois do partido nazista: Hitler e Goering. Bastaram.
Seis anos depois a Alemanha tornara-se a economia mais importante do mundo e seu poder militar era capaz de desencadear a Segunda Guerra Mundial. Observadores de fora, como o futuro duque de Windsor, visitaram Hitler e tranquilizaram os ingleses: Hitler era um déspota esclarecido. Mais: era o homem colocado pela providência divina para impedir que o comunismo acabasse com a civilização humana.
Na Itália, mais ou menos na mesma época, havia outro cidadão que, além de esclarecido, era poliglota. Na Conferência de Munique, em 1938, com Hitler, Deladier e Chamberlain, Mussolini era o único que falava francês, inglês e alemão fluentemente. Os demais eram monoglotas.
Mussolini também fez sucesso e foi amado pela voz rouca das ruas. Os jornais incentivavam o povo a desprezar e, em alguns casos, a agredir aqueles poucos que eram contra a excelência do regime, o pessoal da fracassomania. Só podia mesmo ser espírito de porco quem não percebesse que a Itália era outra, com os trens no horário, com duas colônias na África, bicampeã do mundo no futebol.
Julgar os governantes, esclarecidos ou não, pelas realizações materiais geralmente termina em tragédia nacional. Foi o que aconteceu com a Alemanha e a Itália, não faz tanto tempo assim. Um país pode crescer com o aumento de seu PIB. Uma nação só cresce com um caráter, uma fidelidade a seu passado, uma luta pela sua identidade.

Texto Anterior: O saldo da CPI
Próximo Texto: Povo contra imprensa
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.