São Paulo, sexta-feira, 14 de março de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Nunca tirei férias", diz Scott Adams

ADRIANE GRAU
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM DANVILLE

Há uma ironia suprema no fato de milhões de assalariados ao redor do planeta apontarem os quadrinhos Dilbert como porta-voz de sua luta diária contra a rotina e a burocracia: seu criador disse adeus ao chefe há oito anos.
Scott Adams, 39, conta que, quando arrancou a plaquinha 4S700R da entrada da baia nos escritórios da Pacific Bell (companhia telefônica da Califórnia), foi motivado pelo sentimento de que, em 17 anos de carreira como administrador, jamais havia feito nada útil.
Instalado no escritório que ocupa metade do andar superior da casa de subúrbio a 90 minutos de San Francisco que divide com a namorada e dois gatos, Adams usa uma mesa de snooker para reuniões.
"Essa foi minha única compra irracional com o dinheiro que ganhei com Dilbert", afirma ele.
Comemorando a entrega dos originais de seu novo livro, "The Dilbert Future" (O Futuro de Dilbert), e se preparando para a escolha dos atores da série de televisão que estréia em setembro na Fox, ele recebeu a reportagem da Folha. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
*
Folha - Hoje em dia você é o porta-voz do descontentamento dos empregados de corporações. Enquanto trabalhava na Pac Bell, reclamava com seu superior ou engolia sapos?
Scott Adams - Eu tinha um problema de achar engraçadas coisas que não tinham a menor graça para os outros. Sofro de riso incontrolável em algumas situações. Também não consigo resistir a fazer piadas inteligentes. Claramente, eu nunca fui destinado a ser um bom gerente.
Folha - Mas você chegou a ser bem-sucedido, ganhando US$ 70 mil por ano. O que realmente fazia no trabalho?
Adams - É uma daquelas coisas que faz perceber onde estava o problema. Meu trabalho mudava a cada seis meses. Mas nenhum desses cargos pode ser descrito. Eram coisas como 'o cara do departamento financeiro que está auxiliando os engenheiros'. Eu era algo como o quebra-galhos.
Folha - Há mais homens em suas tiras que mulheres. Por quê?
Adams - Um departamento de engenharia é normalmente composto por 90% de homens. Mas o verdadeiro motivo é que mulheres são mais difíceis de desenhar.
Folha - Por que a gravata de Dilbert está sempre virada para cima?
Adams - Depende de quem pergunta. Normalmente digo apenas que está feliz em lhe ver. Não há nenhum motivo em particular.
Folha - Quando e como você criou Dilbert?
Adams - Foi numa reunião. Dogberto surgiu porque Dilbert precisava de alguém com quem conversar. Inspirei-me numa cadela beagle chamada Lucy que tinha quando criança. Acho que era surda, pois nunca atendeu a nossos chamados.
Folha - Mas como batizou os personagens?
Adams - Fiz um concurso entre meus colegas de trabalho. Um deles, Mike, sugeriu Dilbert, e eu encerrei a busca imediatamente. Dogberto deveria se chamar Dilldog, mas achei que era meio indecente. ("Dildo", em inglês, significa vibrador.)
Folha - Você costuma aceitar críticas nos 1.500 e-mails que lê diariamente ou apenas aproveita boas idéias?
Adams - Na verdade exagero ainda mais o que irritou os leitores, pois assim chamo a sua atenção.
Folha - Há algum país, fora os Estados Unidos, do qual você recebe muitos e-mails?
Adams - Austrália e Brasil são os países que mais me mandam e-mails, nessa ordem. A maioria conta sobre os problemas burocráticos.
Folha - Você usa alguma parte do dinheiro que ganhou fazendo caridade?
Adams - Sim, estou desenvolvendo um projeto genial para ajudar a alimentar os pobres. Imagine se, ao invés de trocar o óleo do carro, você usasse apenas 60% do que pede a manutenção. Pois é. Claro que o carro quebraria antes do tempo. A mesma coisa acontece com o corpo, imagino. Por isso estou criando uma refeição completa, para ser ingerida rapidamente. É uma combinação especial que tem um gosto bom e todos os componentes nutricionais, fibras e vitaminas necessários. Vai custar apenas US$ 2 e ninguém ficará subnutrido. Iria suplementar a qualidade de dieta das pessoas em 10% ao redor do mundo.
Folha - Você tem planos de ter filhos?
Adams - Não, prefiro a clonagem. Acho que seria excelente. Sempre tentei imaginar o que seria diferente em mim se minha mãe não tivesse fumado tanto durante a gravidez. Aposto que um clone de mim mesmo sem os cigarros e com a comida perfeita teria pelo menos 1.77m, ao invés de meus 1.72m. Quero viver por 140 anos, pois acho que vão encontrar a cura para as doenças do coração, câncer e Alzheimer.
Folha - Será que parte do segredo para viver mais não é trabalhar menos?
Adams - Não se você faz o que gosta. Nunca tirei férias de verdade e só viajo a trabalho. Por azar ou sorte, não tenho necessidade de me divertir. O Grand Canyon, por exemplo, é apenas um grande buraco no chão. Não tenho motivos para ir até lá e ter uma experiência visual de cinco minutos.

Texto Anterior: Cai liminar que obstruía venda de teatro
Próximo Texto: Sucesso se reflete em números
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.