São Paulo, sexta-feira, 14 de março de 1997
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A França e o fast food

JOSÉ SARNEY

Pertenço a uma geração que cultua a França como berço de cultura. Líamos os clássicos franceses com a mesma frequência com que líamos os de língua portuguesa.
São Luís do Maranhão, fundada por franceses comandados por Daniel de la Touche, em 1612, que pretendiam fundar ali a França Equinocial, orgulha-se de sua origem. "Os Miseráveis", de Victor Hugo, foi traduzido em São Luís no mesmo ano de seu lançamento na França.
O romantismo como corrente literária chegou ao Brasil por meio daquele país, das obras de Madame de Staël, de Lamartine, de Alfred de Vigny e outros.
A primeira obra romântica da literatura brasileira, "Suspiros Poéticos e Saudades", de Gonçalves de Magalhães, antes de ser editada no Brasil foi publicada em Paris, em 1836.
O positivismo de Auguste Comte encontrou no maranhense Teixeira Mendes um de seus principais adeptos em todo o mundo. O Exército brasileiro, aliás, desde sua origem, teve o positivismo como doutrina norteadora.
Temos vínculos históricos profundos com a pátria de Victor Hugo. O Iluminismo, o legado dos enciclopedistas, os ideais de liberdade, igualdade, fraternidade da Revolução Francesa constituem patrimônio comum.
A importância da França para nós não decorria de sua influência econômica ou política no mundo, mas do brilho e do prestígio de sua cultura.
A língua francesa sobretudo, pois como dizia Fernando Pessoa, para afirmar a importância do idioma, "minha pátria é a língua portuguesa".
O que se constata hoje é que o francês vem perdendo terreno para a língua inglesa, que ameaça, dentro de duas ou três gerações, ser língua mundial.
Quando presidente da República implementamos o Projeto França-Brasil, a fim de intensificarmos as trocas culturais, o intercâmbio e aumentarmos os laços de solidariedade. Assinei o projeto com o presidente François Mitterrand.
A visita do presidente Jacques Chirac ao Brasil significa a retomada dessa tradição, a França tornando-se a ponte entre o Mercosul e a Comunidade Européia, e colocando-se como um interlocutor válido no novo cenário mundial, onde a bipolarização não mais existe.
Não deve haver mais lugar para potência hegemônica; os países devem organizar-se em comunidades regionais.
Foi o presidente Jacques Chirac quem afirmou em seu discurso no Parlamento brasileiro: "A França considera que essa evolução do mundo é a melhor resposta ao desmantelamento da ordem bipolar. Somente ela é capaz de instaurar um novo equilíbrio mundial duradouro que seja justo, pacífico e aceitável por todos".
E mais adiante: "Dentre esses pólos do futuro, quem poderia ignorar a ascensão igualmente da América do Sul? Hoje é a América do Sul que se lança por sua vez nesse vasto movimento de integração regional em resposta às necessidades e às aspirações dos povos desta região".
Que a França volte a ocupar o seu lugar no Brasil, onde já esteve, com a fundação da Universidade de São Paulo, a vinda da missão militar francesa e a formação cultural de novas gerações.
O diabo é a nova geração aceitar, com os enlatados, os best sellers e o fast food.

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