São Paulo, domingo, 16 de março de 1997
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Marxismo à lenha

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

Sem programa e sem proposta viável para apresentar à sociedade, a esquerda -ou o que dela sobrou no Brasil- vai encenando um espetáculo patético, onde retórica alucinatória, no plano institucional, e instrumentalização irresponsável, no plano das ações, dividem a cena.
No primeiro caso, o da contestação discursiva, o festival de tolices começa na instituição política e chega à Universidade e suas adjacências.
Aqui, o grande trunfo do "pensamento" de esquerda é classificar o governo de "neoliberal", condenar o "desemprego em massa", censurar o "entreguismo" das empresas estatais e referir-se ao presidente como "déspota esclarecido".
Tem-se a nítida impressão de que esse tipo de crítica -sem consistência teórica, sem demonstração objetiva, sem consequência prática- parte de militantes do movimento estudantil, agora com cabelos grisalhos e barrigas avantajadas.
Há exceções, evidentemente -e Tarso Genro, em que pese sua conversa engomada, é uma delas.
No plano militante, a coisa é mais grave. Não falemos do MR-8, que virou claque de defunto. Mas da liderança do Movimento dos Sem-Terra, cujo primitivismo, se transformado em lógica de Estado e governo... Por favor, reserve minha passagem.
No movimento de invasões, estamos no estágio do marxismo a lenha. É evidente que a causa é tão justa quanto a distribuição de riquezas é injusta. A questão não é demonstrar que há desigualdade e que é preciso reforma -todos sabem.
Mas que reforma? E como fazê-la? Isso, a esquerda rural -devo poupá-la da frase de Marx sobre a idiotia do campo?- não quer saber. Chega ao cúmulo de invadir terras da Vale para pressionar contra a privatização. Instrumentaliza um bando de coitados para criar fatos políticos.
E faz tudo isso sob o manto mítico da glória e da ousadia revolucionária, causando frisson em meia dúzia de intelectuais culpados e basbaques. Gente que assiste esse simulacro de maoísmo, comendo pipoca na almofada, como se fosse filme de Bertolucci.
O resultado prático é o crescente isolamento das esquerdas e o vácuo oposicionista. A chance de avançar nas políticas sociais, pressionando um governo que vacila nesse terreno, mas que poderia ser sensível a projetos consistentes, vai sendo perdida.
Como vai-se perdendo a possibilidade de aproximação com os setores sociais que, mesmo integrados à nova ordem, têm problemas com ela -do abandono da saúde à criminalidade, passando por educação, transporte etc.
Mas isso é real demais para interessar à esquerda. Ela não resolve problemas práticos, como se sabe. Só as grandes questões da humanidade.

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