São Paulo, domingo, 16 de março de 1997
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Manual de caça para administradores; Uma PetroEncrenca de US$ 160 milhões; Uma lição de amor à História do Brasil; Na gaveta; CURSO MADAME NATASHA DE PIANO E PORTUGUÊS; EREMILDO, O IDIOTA; Miro Teixeira

ELIO GASPARI

Manual de caça para administradores
Deve-se a Neil Glass, da consultora inglesa Gemini, o último catalogo das pragas que, contaminando executivos, podem salgar os projetos de reforma numa empresa. Ele o publicou no livro Management Masterclass (Administração de Primeira Classe, inédito no Brasil). É um trabalho sério, típico do bem sucedido genero da neoficção-empresarial, que movimenta 750 milhões de dólares a cada ano só nos Estados Unidos.
Adiante, numa tradução extremamente livre e com novos nomes, vão cinco dos tipos que catalogou. Cada um vai definido, caracterizado e acompanhado por frases que permitem identificá-lo.
O sábio da inutilidade
Sempre sabe mais que você. Seu negócio é desencorajar.
Complica o assunto: "Você está certo. Mas será que isso está de acordo com a norma de segurança 218.372?"
Encarna a moralidade: "Eu entendo que o pessoal de vendas queira fazer desse jeito, mas acho que devemos olhar o assunto com mais profissionalismo".
Administrador de vácuos
Seja o que for o que tenha acontecido, ele já cuidou do assunto: "Não se preocupe. Logo que eu soube o que sucedeu, botei gente para tratar do caso e esse tipo de problema a gente não vai mais ter."
Simulador de produtividade
Está sempre ocupado, sempre com coisas mais importantes: "Gostei da idéia, mas agora não dá. Quando eu tiver uma folga a gente senta e conversa."
Piloto de responsabilidades
Nada é com ele, tudo é com os outros e tudo o que você sugere se torna tão dificil que é melhor desistir de tentar quaisquer mudanças: "É, mas se o pessoal da área industrial mudasse a maneira de trabalhar nós não teríamos problemas desse tipo."
A culpa é sempre de cima: "Se a direção tivesse uma estratégia, isso não aconteceria."
A doce cobra
Grande sujeito. Seria ainda melhor se não existissem os outros.
Há sempre um terceiro personagem nas suas frases: "Eu concordo inteiramente com você, mas enquanto o Francisco estiver cuidando das vendas isso não melhora. Ele é um bom sujeito, mas lhe falta profundidade."
A culpa é do antecessor (de quem foi o braço direito): "É claro que deve ser assim, mas estou nesse cargo há dois anos e passei a maior parte do tempo arrumando a bagunça que encontrei."
O médotossauro
Oferece todo o seu apoio, mas usa, sistemas, métodos, procedimentos e controles como recursos para atrapalhar:
O preço da mudança é a eterna vigilância: "Estou inteiramente de acordo, mas antes de dar o primeiro passo temos que ter certeza de que todo mundo vai saber o que terá que fazer."
Neil Glass ensina que uma pessoa pode representar simultâneamente diversos papéis. Acontece também que tendo esgotado seus recursos como Simulador de Produtividade, o sujeito finge que se regenerou e vira uma Doce Cobra.
Em todos os casos esses comportamentos são técnicas diversionistas, destinadas a distrair a atenção do administrador e evitar as mudanças. Se ele cai na armadilha, gasta seu tempo tratando de coisas inúteis. O segredo está em tentar buscar -e reverter- os verdadeiros motivos que se escondem atrás de tão pitorescos personagens.

Uma PetroEncrenca de US$ 160 milhões
Há uma banana sobre a mesa do presidente da Petrobrás, Joel Rennó. Em 1995 ele abriu uma licitação internacional para a conversão de dois navios e uma plataforma semi-submarina em unidades produtoras de petróleo. Colocadas em alto mar, serviriam para separar o petróleo dos poços da Bacia de Campos da água e do gás que o acompanham no esguicho.
Coisa de gente grande, não só pelo ervanário envolvido, como pela importância do equipamento. A tres unidades produziriam 250 mil barrís por dia, equivalentes a mais de 25% de toda a produção nacional de hoje.
A concorrência foi ganha pelo estaleiro Indústrias Verolme-Ishibrás, o IVI. Um navio, o Prudente de Moraes, deveria ficar pronto em fevereiro. Outro, o Vidal de Negreiros, em maio, e a plataforma em setembro.
Tudo combinado com os financiadores japoneses e, por via das dúvidas, com os prazos segurados junto a empresas americanas. Foi o maior seguro de desempenho já feito no Brasil. Ele é a suprema garantia contra enxaquecas de empreiteiros. Se saem fora do prazo ou do preço, a seguradora tem que comparecer para cobrir o prejuízo.
Há poucas semanas o estaleiro informou a Petrobrás que não tem como entregar as mercadorias. Precisa de mais 160 milhões de dólares. A esta altura o navio de fevereiro só fica pronto em maio, o de setembro em novembro e a plataforma de maio, em julho.
Pelo manual, seria coisa fácil: a Petrobrás avisaria a seguradora que o desempenho desandou e estaria protegida.
A banana brotou quando a seguradora USF&G informou que só desembolsa algum se a Petrobrás cumprir o ritual do negócio. Ele passa, necessariamente, pela declaração, na Justiça, de que o estaleiro descumpriu o contrato.
Bananaço.
O estaleiro não trabalha se não receber o novo ervanário.
Os financiadores japoneses querem as unidades trabalhando para pegar de volta o que investiram.
A Petrobrás precisa do óleo porque está torrando bilhões em dólares.
A seguradora precisa que seja proclamado o mau serviço da IVI para pagar um seguro que, como o próprio nome diz, banca seu desempenho.
Ouvidos individualmente, todos os personagens dessa história serãomocinhos, mas a banana só será descascada se alguem ficar no papel de Jack Palance.
Isso numa economia de mercado, daquelas que FFHH gosta. Fora daí, é fácil: basta meter a mão no bolso da Viúva e dizer que tudo não passou de um mal-entendido.

Uma lição de amor à História do Brasil
Esgotaram-se as 400 coleções completas dos nove volumes de Textos Políticos da História do Brasil que a editora do Senado vinha guardando. Os pedidos justificaram a idéia de uma reedição e seus dois autores, o professor Paulo Bonavides e o advogado Roberto Amaral, entendem que ela deve passar por uma revisão.
Verdadeira preciosidade, a coleção reúne 3.000 documentos, e não 300, como aqui se informou. Neles vai contada a História brasileira da Colônia a 1988, com um hiato para a ditadura militar. Sua tiragem de mil exemplares foi dada de graça, mas a reedição custará alguma coisa. De qualquer forma, será possível levar a bibliotecas e centros de pesquisa os textos dos principais papéis da vida política de Pindorama.
Enquanto o prédio do Senado abriga a lavanderia da CPI dos Títulos Públicos, nada melhor do que se olhar para a bela história de Amaral e Bonavides, os autores do trabalho. Um é advogado e o outro, professor de Direito Constitucional da Universidade Federal do Ceará.
Consumiram vinte anos no projeto. Amaral copiou a mão debates parlamentares que estão apodrecendo nas estantes do Congresso. Quando não havia xerox, fotografaram papéis. Pagaram do bolso o trabalho dos copistas do Arquivo Nacional e desembolsaram R$ 3.000 pela revisão do último volume. Nunca tiveram uma homenagem.
Quanto ganharam pelo serviço? Nada.
Quanto querem ganhar com a reedição, mesmo admitindo que os livros sejam vendidos? Nada.
E o que é que eles querem? "Nada.
Nós trabalhamos para oferecer aos pesquisadores e aos estudantes um acervo para o conhecimento de nossa História. O que queremos é a certeza de que nosso trabalho acabará nas mãos de quem realmente precisa dele".

Na gaveta
Está na gaveta do ministro da Reeleição, Sérgio Motta, um dos mais interessantes documentos já produzidos na política brasileira.
Trata-se de um abaixo assinado no qual algo como 40 parlamentares de diversos partidos (inclusive do PSDB) e dos mais diferentes Estados (inclusive Roraima) informam a quem interessar possa que são liderados pelo prefeito de Betim, Newton Cardoso.
Cardoso já governou Minas Gerais. Atualmente governa também um pedaço do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem.
A formação de bancadas pessoais como instrumento de pre$$ão sobre o governo federal era um costume da República Velha, aquela do pacto oligárquico que caducou em 1930.

CURSO MADAME NATASHA DE PIANO E PORTUGUÊS
Madame Natasha tem horror a música. Ela socorre os anarcoglotas, um tipo de poliglotas que, por razões ainda desconhecidas, perde a capacidade de se expressar num só idioma. Concedeu mais uma de suas bolsas de estudo ao ministro da Cultura (repetindo: Cultura), pelo seguinte comentário a respeito da observação do professor José Artur Gianotti, que viu o risco de um surto de despotismo esclarecido na glorificação do tucanato:
- Não quero discutir isso porque acho que isso é rubbish, como dizem os ingleses: isto é, bobagem.
Madame suspeita que Weffort esteja querendo tomar ao ator Ary Fontoura, o papel de Pitagoras William Mackenzie na novela A Indomada. O avô de Carolaine já foi ministro e tambem padece de anarcoglotismo. Não consegue terminar uma frase sem enfiar uma palavra em inglês.

EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota. Está convencido de que há uma conspiração xiita no tucanato. Descobriu isso quando soube que a Viúva está vendendo a Vale do Rio Doce no andar de baixo, enquanto no andar de cima é convidada a desembolsar 40 milhões de dólares para acertar a conta do Projeto Jari. Eles fingem que desestatizam vendendo a Vale (que é da viúva e dá lucro), mas no fundo querem estatizar o Jari (que é da mão invisível do mercado e dá prejuízo).
O idiota também está esperando que o ex-prefeito Paulo Maluf retorne ao Brasil para ter uma conversa séria com ele. Viu-o num pequeno filme de propaganda na televisão e ouviu o locutor dizer o seguinte:
-Às vezes o resultado mais importante de uma obra não aparece. A gente não vê.
Depois apareceu o próprio ex-prefeito informando:
-O povo quer menos conversa, menos polêmica e mais resultados.
Eremildo entendeu: por idiota, não conseguiu ver os resultados da obra de venda dos títulos públicos da prefeitura. Como não gosta de conversa nem de polêmica, quer que o prefeito lhe diga onde pode procurar seu pedaço dos resultados.

Miro Teixeira
(51 anos, deputado federal, PDT-RJ)
*
- Por que o senhor está implicando com a privatização da Vale do Rio Doce?
- Não é implicância, é resistência. Resisto à venda do patrimônio nacional. Querem vender 160 mil quilometros quadrados da Amazônia legal sem patentes de mineração requeridas. O BNDES já disse que não sabe o tamanho do que está vendendo. O BNDES ignorou a as jazidas de cobre, ouro e urânio de Carajás. Admitamos que sair por aí vendendo o patrimônio não seja importante. Nesse caso, estou resistindo porque a Vale do Rio Doce é a maior multinacional brasileira. É o principal instrumento capaz de permitir que o Brasil sente à mesa da globalização com algum cacife. Ela fala de igual para igual com as maiores mineradoras do mundo. Além disso, é um vetor de desenvolvimento. Guardadas as proporções, é como o programa espacial americano. Será que o presidente Clinton deve vender a Nasa?
- Essa jazida de Carajás parece o conto do Eldorado. Toda vez que se tenta mexer com a Vale ela acha a serra das esmeraldas do Fernão Dias Paes Leme.
- Isso seria subestimar o valor técnico dos funcionários da Vale. O BNDES diz que não sabe da ocorrência de urânio no Corpo Alemão, em Carajás. Seu presidente devia telefonar para a Vale. Os estudos estão lá e já foram verificados por cientistas da UFRJ. Sabe-se que ali há uma formação geológica com cobre, ouro e urânio, semelhante à da mina australiana Olympic Dam. Os estudos são preliminares e eu não sou geólogo, mas o BNDES deveria ter mais respeito pelos fatos e pela opinião dos especialistas. O edital de concorrencia parece viciado para entregar a Vale à empresa sul-africana Anglo American e o ouro aos bandidos.
- O senhor não acha que está exagerando quando chama Anglo American, uma das maiores mineradoras do mundo de "bandidos"?
- Se você quiser, pode trocar a palavra. O fato é o seguinte: A Anglo-American é uma das maiores mineradoras do mundo e controla o cartel dos diamantes, mas Nicholas Oppenheimer, seu principal acionista, não pode pisar nos Estados Unidos. Se o fizer, vai preso, por ordem da Justiça. Ele tem uma empresa de 40 bilhões de dólares e talvez seja o homem mais rico do mundo depois do Sultão do Brunei. Por causa de suas operações comerciais, os americanos querem prendê-lo. Quando ele quer ver seus sócios, baixa no Canadá. Eu sou o Miro Teixeira, nasci na praça Mauá, tenho um patrimônio mixuruca, mas vou aonde quero, porque não devo nada à Justiça. O edital parece viciado, porque exclui as mineradoras que produzem mais de 30 milhões de toneladas de minério de ferro ao ano. A Anglo American produz só 22 milhões, mas é a maior mineradora de ouro do mundo. Há alguma restrição para esse tipo de operação, já que a Vale minera ouro? Não. A corretora Merrill Lynch ficou com a tarefa de avaliar a Vale e desenhar o edital. Pois, durante o processo de privatização, ela comprou uma tradicional corretora de Johannesburgo, logo a SBH, a "corretora da Anglo". Finalmente, a Vale renderá ao governo 3 bilhões, um mês do que pagamos, só de juros, pela dívida interna. Um interessado poderá vir a controlá-la com um desembolso de menos de um bilhão. Qual interessado? Não sei, mas sei que o grande Harry Oppenheimer, pai de Nicholas, um verdadeiro gênio, gosta de repetir: "Por que você precisa comprar uma companhia, se você pode controlá-la com uma participação minoritária?"

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